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domingo, 30 de julho de 2023

LUGARES: Museu das Flores


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LUGARES: Museu das Flores
Largo da Misericórdia, Santa Cruz das Flores - Açores
Horário | Terça-feira a sábado e feriados, das 10h00 às 18h00 (das 09h30 às 17h30 entre 01 de Outubro e 31 de Março). Encerrado domingo e segunda-feira (apenas segunda-feira no horário de Inverno)
Ingressos | € 1,00 bilhete normal


O Museu das Flores tem a sua sede situada no Convento de São Boaventura. Resultado da doação do padre Inácio Coelho, irmão de Frei Diogo das Chagas, o edifício data de 1641 e albergou uma comunidade de franciscanos até ao advento do liberalismo. António Vicente Peixoto Pimentel comprou o convento, em 1873, para doá-lo à Santa Casa da Misericórdia de Santa Cruz das Flores, com o fim de nele ser instalado um hospital para servir os povos das Flores e do Corvo. O edifício manteve essas funções durante quase um século até que, em 1979, o Governo Regional dos Açores adquiriu-o para nele instalar uma exposição de fiação e tecelagem e reconstituir o interior de uma casa abastada típica das Flores, com os seus aposentos mobilados com móveis datados do período que vai do século XVIII a princípios do século XX. No ano de 1993, depois de profundas obras de restauro, reabriu ao serviço do Museu das Flores.

De fachada apalaçada, em que predomina a horizontalidade, o edifício caracteriza-se por uma acentuada angulosidade e intensa planimetria dos seus elementos compositivos. Peça arquitetónica interessante é o claustro quadrangular de três tramos e outras tantas janelas de varanda que lhe são sobrepostas. É muito provável que a adaptação do edifício para novas funções tenha levado à implantação das varandas em ferro fundido, decoradas com estilizações vegetalistas e motivos geométricos. Mais conhecida por Igreja de São Francisco, a Igreja de São Boaventura é ampla, de uma só nave, tem no altar-mor um retábulo de talha dourada de madeira de cedro, cuja concepção e montagem é provavelmente posterior a 1727, embora siga princípios estruturais e decorativos do estilo nacional. O tecto em abóbada de berço é revestido a madeira de cedro pintada: ao centro, um medalhão com os símbolos franciscanos, rodeado por uma exuberante e insólita decoração ingénua, em que predomina a representação de índios e elementos vegetalistas, tendo uma clara influência hispano-americana.

Os vários espaços do Museu das Flores convidam a uma reflexão sobre o que foi e é viver em circunstâncias de enorme dureza e precariedade. Da descoberta da Ilha das Flores por Diogo de Teive, em 1452, até aos nossos dias, os apontamentos sucedem-se, pondo em evidência as múltiplas actividades da ilha, as dificuldades com que se debatem os ilhéus desde sempre e muitas curiosidades do foro histórico, etnográfico, social, económico e ambiental. Estão nestes casos a economia de subsistência ligada ao cultivo de cereais e a construção de azenhas, o espírito de aventura que levou muitos florentinos a deixar a ilha para trás rumo ao Brasil ou aos Estados Unidos, as batalhas entre o sector cooperativo e os grandes industriais em torno da exportação de gado e de manteiga, a ilha na rota do comércio atlântico e os grandes naufrágios, a inevitável pesca à baleia, a armada das ilhas ou figuras tão importantes como a do Padre José Furtado Mota, “um homem incrível (…), absolvia pecados, músico de génio, expert de Direito Cooperativo, político e sindicalista revolucionário, contabilista, topógrafo e accionista da pesca da baleia.”

sexta-feira, 21 de julho de 2023

EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: "Dentro e Fora"


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EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: “Dentro e Fora”,
de Jorge Kol
Curadoria | José Franco
Centro Cultural de Santa Cruz das Flores, Açores
Inauguração em 12 Jun 2023


Desde o passado dia 12 de Junho, está patente ao público no Centro Cultural de Santa Cruz das Flores a exposição “Dentro e Fora”, da autoria de Jorge Kol. Nascido em 26 de Abril de 1948 na Terra Chã, Angra do Heroísmo, Jorge Kol fez no IPF, em 1968, a sua formação de iniciação à fotografia. Em 1971 concluiu a licenciatura em Arquitectura pela Escola Superior de Belas Artes de Lisboa, o que o ocupou profissionalmente ao longo de 42 anos. Só em 2012 retomou a Fotografia, fazendo dela sujeito e complemento do seu modo de estar na vida, “arquitectando”, mas agora “só o que lhe apetece, quando quer, no que quer, com quem quer e devagar, saboreando a vida que é uma festa”. É nesta linha que o seu olhar vagueante pela cidade vai ao encontro de uma urbe que se disponibiliza à sua marcha. Só ele sabe o seu próprio destino, só ele percorre com vagar e vigor ruas e atalhos que a si se mostram e, que no limite, irão dar a um lugar interior. Um lugar apenas dele, tornado nosso pelo gesto da partilha neste “Dentro e Fora” no qual importa atentar.

Vendo as imagens que compõem esta exposição, percebemos que Jorge Kol parte do que julga fora do plano, esse desejo externo passeante ao sabor das horas e dos dias, para observar o que se encontra dentro. É uma imersão no real fugaz, em exploração furtiva, para contemplar de forma errante a fractura citadina exposta. Jorge Kol é, nas palavras de Dr. Mara, um “flâneur”, alguém que transporta consigo uma máquina fotográfica onde lentamente repousa o olhar, atento à força particular a que ele não pôde escapar do outro, ao esgar de quem foi observado, mantendo a sua própria visão, colhendo cada gesto e pose individual. O flâneur é, sobretudo, um passeante que fixa o espectáculo da vida e do mundo, nada lhe é indiferente, nem a passagem do tempo. Ele pretende, assim, que o observemos em modo vagabundo. Em plena consciência ambulante. À semelhança do voyeurista, o flâneur quer ver tudo, captar os gestos visíveis e invisíveis, mergulhar internamente nos espaços urbanos, por vezes ocultos, e, por instantes, vagabundear pela perspectiva da luz que nos espelhos se abre e projecta. Até onde?

Junto dele, permanecemos firmes e, à semelhança de sombras, duvidamos, aceitando os estilhaços da visão. Por sinal, é um mosaico em forma de espelho, prestes a ser mascarado, vendido, iludido. Há alguma verdade nas imagens? Em jeito deambulante, façamos o esforço de aproximação, de modo a que os sentidos explodam e rebentem nessa manifestação visual que mistura aparências e evidências que ajuizamos de fora, mas que, na verdade, podem ser detectadas dentro. O interior é o movimento de quem investe, de quem quer ir mais fundo! Resta-nos, e não é pouca coisa, a poesia do flâneur, o que ele decidiu resgatar à sombra em forma de luz. Ainda iludidos, aguardando contemplar o que está mais além de cada fotografia.

[Texto baseado na folha de sala que acompanha a exposição, da autoria de Dr. Mara]

quarta-feira, 12 de julho de 2023

LUGARES: Museu da Fábrica da Baleia do Boqueirão


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LUGARES: Museu da Fábrica da Baleia do Boqueirão
Rua do Boqueirão, 2 - Santa Cruz das Flores
Horário | Terça-feira a domingo, das 10h00 às 18h00; encerra à segunda-feira
Ingressos | Bilhete normal € 1,00


Ponta Delgada, Fajã Grande, Lomba Grossa, Lajes, Fazenda, Monte das Cruzes, Santa Cruz. É pelas vigias que a visita começa. Era aí, numa pequena guarita instalada em pontos estratégicos da costa, que o vigia lançava o olhar sobre a superfície do oceano na esperança de detectar à distância de várias milhas o bufo dos diferentes cetáceos, “identificando a espécie a que pertencia, a distância a que estava da costa, o sentido do seu rumo, o número de animais descobertos e a velocidade da sua marcha”. Dispunha de um binóculo, um relógio, um prato azimutal e um instrumento de alarme, geralmente um foguete. Depois era o arriar dos botes, o aproximar do animal, o trancar, o perseguir, o desferir lançadas até à morte e o rebocar para o cais onde a baleia era varada. São estes termos, com tudo o que implicam de engenho, perícia e muita coragem, que iremos perceber ao longo de uma deliciosa visita, com tanto de educativo como de lúdico.
 
Foi com os norte-americanos que os jovens florentinos aprenderam a pescar baleias. O posicionamento geoestratégico ímpar da ilha fez dela uma excelente plataforma logística para a frota estadunidense. Víveres, água e homens para completar tripulações eram carregados em qualquer baía. Cedo encontramos baleeiros da ilha nas barcas americanas. Joseph Rose, natural das Flores, embarcou no porto de New Bedford, no ano de 1808. Tinha dezassete anos de idade. Horatio Greene afirma que nas Flores é fácil encontrar jovens dispostos a embarcar a troco de roupas e pouco mais. “São ordeiros, trabalhadores incansáveis e nunca abandonam o barco enquanto lhes devem um dólar.” Estes agricultores, pelas circunstâncias feitos baleeiros, cedo foram reconhecidos. Herman Melville imortalizou a coragem, destreza e carácter dos açorianos: “Um não pequeno grupo de baleeiros provém dos Açores, onde os navios de Nantucket lançam ferro frequentemente para completar as suas equipagens com os sólidos camponeses dessas ilhas rochosas. (…) Não de sabe porquê, mas é dos ilhéus que saem os melhores baleeiros.”

Documentados com belíssimas imagens e complementados com pequenos vídeos que ilustram a caça à baleia como era feita até há cerca de meio século, os textos vão dando conta do “arriar à baleia”, da lancha motorizada, ou “gasolina”, introduzida nos anos 20 do século passado, do arpoar e da luta que se seguia entre o animal e o homem, terminando com a morte da baleia ou com a desistência dos baleeiros e o corte da linha. Depois de morto, o corpo da baleia flutuava e era trazido para o varadouro à força de braços, juntando vários botes impulsionados a remos. Numa primeira fase, as baleias foram desmanchadas no mar, tal como tinha sido aprendido nas baleeiras americanas. Com o decorrer do século XX, passaram a ser varadas e cortadas em plataformas construídas na orla costeira. A construção naval é outro dos polos com verdadeiro interesse nesta visita, sobressaindo o nome de Francisco José Machado, nascido em 1859 nas Lajes do Pico e que foi o primeiro carpinteiro naval açoriano a construir um bote baleeiro dos Açores. Fê-lo partindo do modelo americano, que desmontou e estudou em pormenor, introduzindo-lhe alterações de modo a torná-lo mais leve e hidrodinâmico.

“Hoje estão mortos os velhos que me contavam essas histórias de barcas-de-baleia e terras grandes. (…) Tinhas noventa anos, ti Jzé do Pico, e eras como um menino sentado ao canto da cozinha contando os casos da tua vida: onze vezes embarcado, oito vezes naufragado, vagabundo de Honolulu, de Sidney, de Punta Arenas, amante da rainha de Samoa (…) ti Serpas, hoteleiro na Austrália, o velho Mônica que foi contrabandista em Marselha, o Alabama que foi corsário, meu primo Mata-Ratos, emigrante falhado que fazia versos de dia de São Marcos, o Frade vagabundo que morreu no mar… (…)”. As palavras são de Pedro da Silveira, no seu livro “A Ilha e o Mundo” e ajudam o visitante a mergulhar na alma do ilhéu e, em particular, na daquele que teve toda a sua vida ligada ao mar e à pesca da baleia. A invocação dos santos de cada um - Santo António na Fajãzinha, Senhora da Saúde na Fajã Grande, Senhora dos Milagres no Lajedo, Nossa Senhora da Conceição em Santa Cruz ou Senhora do Rosário nas Lajes das Flores - ocupam um núcleo mais íntimo, mais devocional.

Em 1950, a Sociedade Agrícola e Comercial Piano Lda., sediada em Almada, tornou-se proprietária da Fábrica do Boqueirão, abrindo posteriormente venda das acções, que foram adquiridas pelos armadores baleeiros das Flores. As décadas de cinquenta e sessenta do século XX corresponderam à época áurea da baleação florentina, com um recorde de 103 animais capturados em 1963. É da transformação das matérias e do produto final que o último pólo da visita nos fala. Içados para a plataforma superior da Fábrica, toucinho, carne e ossos eram lançados no interior das autoclaves, que se fechavam para ser injectado vapor sob pressão e retirada a matéria gorda. O óleo era extraído através de válvulas existentes nas autoclaves e conduzido em tubos de ferro para um tanque de cimento na sala e daí para outro no exterior onde era medido, antes de seguir para os depósitos existentes no subsolo da plataforma de desmancho. O que não nos é dado ver e sentir é o barulho das máquinas, o calor e a humidade do vapor das caldeiras, o cheiro gorduroso e persistente que se entranhava na roupa e na pele, enfim, os componentes de uma laboração particularmente árdua e insalubre. Mas isso podemos bem imaginar.