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sexta-feira, 25 de julho de 2025

EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: "A Magia da Arquitectura" | Ana Carvalho



EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: “A Magia da Arquitectura”,
de Ana Carvalho
iNstantes - Propostas Fotográficas #119
Casa da Cultura de Avintes
05 Jul > 31 Jul 2025


Demonstrativas de uma dinâmica imparável, as Propostas Fotográficas do iNstantes - Associação Cultural prosseguem no seu desígnio de explorar as múltiplas camadas de que se reveste a Fotografia, dar a conhecer o trabalho de um vasto conjunto de autores e abrir espaço a novos olhares, novos géneros, novas tendências. É neste âmbito que podemos apreciar “A Magia da Arquitectura”, série de imagens da fotógrafa portuguesa, radicada na Holanda, Ana Carvalho, e que pode ser apreciada, até ao final do mês, na Casa da Cultura de Avintes. Os mais atentos lembrar-se-ão que foi nesta mesma Casa que Ana Carvalho expôs as suas “Paisagens Impossíveis”, na edição de 2020 do iNstantes - Festival Internacional de Fotografia de Avintes. E se, já então, a fotógrafa endereçava o convite a que se percebesse onde terminava a realidade representada e tinha início um fascinante mergulho na abstracção, desta feita insiste no desafio e amplia-o, apresentando uma sequência de fotografias que, pontuadas pelo real, tendem a parecer o que não são.

Ana Carvalho considera-se “uma pessoa com sorte”. Desde 2019 a viver em Almere, cerca de trinta quilómetros a leste de Amsterdão, rapidamente percebeu estar perante um laboratório de ensaio de modernas técnicas construtivas e arrojados projectos arquitectónicos em terrenos conquistados ao mar. Por se tratar da mais nova cidade dos Países Baixos - a sua primeira casa só ficou concluída em 1976 -, o visitante não deve esperar fortalezas milenares, canais medievais, palácios renascentistas. Mas Almere faz as delícias dos amantes da arquitectura em edifícios icónicos como “The Wave”, “Side by Side”, “La Defense”, “Rooie Donders”, a extravagante “Casa Mirador”, a torre residencial “Flores” ou o especialíssimo “De Smaragd”. Neles encontra as assinaturas de renomados arquitectos como Liesbeth van der Pol, Rem Koolhaas (o mesmo da Casa da Música, no Porto), René van Zuuk ou Herman Hertzberger. É sobre as suas ruas e praças, as margens dos seus canais ou os espaços abertos ao mar, que Ana Carvalho lança a sua atenção, ao encontro das formas e da geometria, dos elementos contrastantes, dos jogos de luz que constantemente se lhe oferecem. Uma atenção transformada em obsessão pelo hermetismo das estruturas, a essência do detalhe e uma esmagadora riqueza visual.

Os seguidores de Ana Carvalho nas redes sociais conhecem o seu fascínio pelo distanciamento do real em busca de novas realidades. Neste processo, importa aquilo que a artista faz com duas (ou mais) imagens consonantes, tornadas dissonantes pela simples mudança de perspectiva. O fascínio estende-se ao observador, entregue ao “jogo” de descobrir os artifícios que cada uma das imagens carrega… ou não. A colagem funciona como catalisador dos processos de transformação do real, um recurso de meta-arquitectura que reforça a sua beleza e fascínio. Mas nem só de colagens vive a exposição, com a artista a deslocar o eixo do jogo para o detalhe, num convite a encontrar o verdadeiro sentido da imagem. É ela que nos interroga: O óculo da fachada de um prédio ou a fuselagem de um avião? Uma janela de vidro martelado ou uma ponte? Os elementos futuristas do filme “Blade Runner” ou um dos pilares da Ponte 25 de Abril? A cada um a sua interpretação, mas para isso é preciso ver a exposição, ao encontro de um apurado sentido estético, uma enorme imaginação e muito humor. Garantidos estão momentos de reflexão, de espanto e da mais pura diversão. Só até 31 de Julho!

sexta-feira, 18 de julho de 2025

EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: "Legibilidades" | Hélder Vinagre



EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: “Legibilidades”,
de Hélder Vinagre
iNstantes - Propostas Fotográficas #118
Casa da Cultura de Avintes
05 Jul > 31 Jul 2025


Documental ou ficcional, abstracta ou satírica, interpretativa ou descritiva, a fotografia de rua corresponderá sempre à observação de um momento peculiar e gloriosamente fortuito que terá existido somente numa fracção de segundo, no preciso instante em que se mostrou inteiro e limpo e foi aprisionado pelo fotógrafo. Embalados por esta visão e pela enorme paixão que os liga à Cidade Luz, um grupo de fotógrafos criou, em Abril de 2011, o colectivo “Regards Parisiens”, com a ambição de provar que Paris não é só museus e que as suas ruas estão povoadas de vida(s). Entre os fundadores vamos encontrar Hélder Vinagre, médico, nascido em Aveiro em 1959, mas a viver em França quase há seis décadas. Embora o “bichinho” da fotografia o tenha “infectado” desde muito novo, foi um encontro fortuito com Robert Doisneau que acabou por levá-lo para os caminhos da fotografia humanista ao seguir o conselho para fotografar a vida tal como ela se apresenta na realidade. São dele estas “Legibilidades”, extraordinário conjunto de imagens que se abrigam no quotidiano urbano, com o tema da leitura a servir de aglutinador de interesses e vontades.

Segundo dados da Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragens e Circulação, nos últimos dez anos os principais jornais portugueses de âmbito nacional – o semanário Expresso e os diários Correio da Manhã, Jornal de Notícias, PÚBLICO e Diário de Notícias – perderam metade da sua difusão em papel. Se recuarmos mais dez anos, vemos esta quebra situar-se nos setenta e cinco por cento. O fenómeno, contudo, não se resume ao nosso país. Foi isto que Hélder Vinagre percebeu com espanto, ele que faz das ruas de Paris e de outras cidades que visita a sua segunda casa, acabando por constatar que há hoje muito menos pessoas a ler um livro ou um jornal do que há uns anos atrás. “A maioria das pessoas que encontro hoje, na rua ou nos transportes públicos, tem os olhos mergulhados no ecrã de um telemóvel”, diz, acrescentando que “poucas estão a ler um romance ou imersas nas notícias diárias de um jornal”. Daí surgiu a ideia de captar alguns desses momentos fugazes de leitura para que pudessem ser preservados na memória colectiva de um tempo que, muito rapidamente, acabou por se ver rendido ao sortilégio do digital.

Numa esplanada ou à mesa do café, sobre a relva de um parque ou nas margens do Sena, elas e eles têm um denominador comum no livro ou no jornal que fixam com o olhar. Simultaneamente atento e sensível, o trabalho de Hélder Vinagre reúne um conjunto de “momentos literários” que são uma homenagem aos “resistentes”, ao mesmo tempo que estendem um abraço a todos os entusiastas que perpetuam o prazer da leitura e dos livros. As expressões nos rostos dos sujeitos fotografados dão nota de um profundo envolvimento com as histórias que desfilam à frente dos olhos, o artista a saber encontrar o equilíbrio entre o que é mostrado e o que apenas podemos imaginar. Mesmo as imagens mais simples mostram-se capazes de se desdobrarem em múltiplas camadas, convocando a atenção do visitante e a sua perspicácia. A necessidade de aproveitar o momento fugaz sem descurar questões tão importantes como a distância ou o enquadramento dão nota da competência técnica do fotógrafo, mas também da sua veia intuitiva. Isso e um preto e branco intenso e vivo, são convites a que poisemos demoradamente o olhar sobre a “beleza do banal”, transformada em arte pela magia de um clique.

sábado, 21 de junho de 2025

EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: "Guerreiros sobre rodas" | Rui Neto



EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: “Guerreiros sobre rodas”,
de Rui Neto
Curadoria | Pereira Lopes
iNstantes - Propostas Fotográficas #114
Centro de Reabilitação do Norte
18 Jun > 30 Jul 2025


Na sua visão, pressupostos e significado, “Guerreiros sobre rodas”, exposição de fotografia de Rui Neto, não poderia ter encontrado um sítio mais acertado para se mostrar: o Centro de Reabilitação do Norte. Aqui, diariamente, largas dezenas de pessoas aceitam os programas mais exigentes, procuram melhorar as suas performances, buscam os tão desejados picos de forma. Desafiar os limites exprime-se, em cada uma delas, de maneiras muito diferentes, que tanto podem ser as palavras que se voltam a pronunciar, quanto os passos seguros dados após o abandono definitivo da cadeira de rodas. Mergulhados nessa realidade desde a sua chegada ao Centro, os doentes aprendem a reconhecer neste espaço um “Centro de Alto Rendimento”. Abandonam o pijama e vestem o fato de treino e as sapatilhas. Aquecem e alongam, exercitam a marcha. Lutam contra o tempo na passadeira, nas escadas, no cicloergómetro. Escutam palavras de incentivo como “lutador”, “guerreiro” ou “campeão”. Entregam-se a cada período de reabilitação como quem disputa uma final da Champions. E sabem ver no médico e no enfermeiro, no técnico auxiliar de saúde e no terapeuta, os seus directores e treinadores, massagistas, roupeiros, mecânicos e motoristas.

O projecto fotográfico “Guerreiros sobre rodas” teve o seu início em Outubro de 2021 junto da equipa de Basquetebol em Cadeira de Rodas do Basket Clube de Gaia. O seu principal objectivo tem sido o de dar a conhecer um pouco mais deste desporto na forma como é encarado pelos atletas durante os treinos e a preparação para os jogos, mas também retratar o esforço e entrega necessários à prática da modalidade e a capacidade de superação dos seus praticantes perante as contrariedades de toda a ordem a que se vêem sujeitos. Face a um desporto particularmente exigente e desafiante, no qual a preparação física, a concentração, o foco e uma grande resiliência são qualidades inerentes a cada um dos atletas, Rui Neto mostra-nos, em imagens impactantes e de enorme beleza, o carácter de uma modalidade exigente e complexa, assente na dedicação e coragem de cada um destes guerreiros-atletas. Olhando as imagens, o visitante tem um vislumbre da realidade de um quotidiano onde, independentemente dos resultados, são todos vencedores. Mas se o visitante é um utente do Centro, então a palavra “vencedor” tem o significado e o alcance de quem, num lance decisivo, avança em direcção ao cesto, atira a bola e faz três pontos mesmo sobre o apito final.

Das imagens que compõem esta mostra, ressalta o fascínio de Rui Neto pela cor e pelas simetrias, o cuidado com os enquadramentos e a perspectiva, um gosto muito particular pelos apontamentos geométricos. É isso que percebemos no abraço que une a equipa num círculo quase perfeito, na bola que o atleta prende na mão sobre a linha que divide o campo em duas metades, no lançamento em equilíbrio instável, o corpo assente numa cadeira que se equilibra numa roda apenas. Mas ressalta, sobretudo, a sua enorme sensibilidade, o amor e carinho pelas pessoas que retrata naquilo que se passa “fora das quatro linhas”. Na sua forma de deixar o geral e de se entregar ao particular reside aquilo que de mais importante a fotografia de Rui Neto encerra: a prótese que se retira antes de passar para a cadeira de rodas, a queda aparatosa, as mazelas nas mãos, o tão merecido duche numa cadeira adaptada, a pesada logística que um “simples” jogo de basquetebol em cadeira de rodas exige. Estas não serão imagens espectaculares, mas carregam em si o lado humano e, com ele, os valores da coragem e da ambição, da amizade e da cumplicidade. Sem isso, não há “guerreiros”.

quinta-feira, 20 de março de 2025

EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: "A Halt to Survive (Pandemic Times)" | Garcia de Marina



EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: “A Halt to Survive (Pandemic Times)”,
de Garcia de Marina
iNstantes - Propostas Fotográficas #109
Centro de Reabilitação do Norte
19 Mar > 23 Abr 2025


Cinco anos decorridos sobre os primeiros casos (e as primeiras mortes) directamente relacionados com o coronavírus, já quase não se fala de uma pandemia que pôs o país em pausa mais de setecentos dias, entre cercas sanitárias, estados de emergência nos momentos críticos e situações de alerta no abrandar do número de casos. Sabemos hoje que, tal como se esperava, o vírus evoluiu para formas menos letais, mas vale a pena não esquecer os seus efeitos devastadores, com mais de 5,6 milhões de pessoas infectadas em Portugal (mais de metade da população) e cerca de 29 mil óbitos. Numa altura em que os cientistas vêm alertando para o risco de aparecimento de novas e mais agressivas variantes do coronavírus, importa perguntarmo-nos sobre o que aprendemos com a pandemia e se estaremos preparados para um novo embate. A exposição de Garcia de Marina, que acaba de ser inaugurada no Centro de Reabilitação do Norte, não responde a nenhuma destas questões, mas reforça a necessidade de reflectir sobre elas, graças a um conjunto de imagens que, muito subtilmente, transportam em si as nossas interrogações.

Num tempo de grande desinformação e manipulação da opinião púbica, baixar a guarda afigura-se uma imprudência cujas consequências podem ser dramáticas. Por esse motivo, uma exposição como “A Halt to Survive (Pandemic Times)” não poderia ser mais apropriada, recuperando uma tragédia que recheou o quotidiano de incertezas e alterou o nosso olhar perante a vida, como perante a morte. A obrigatoriedade da máscara, o encerramento dos espaços, o distanciamento social, as quarentenas forçadas, as filas de ambulâncias, os funerais sem adeus, os testes rápidos ou as vacinas, ganharam preponderância num mundo fechado a cadeado. É este mundo que Garcia de Marina traz de novo para primeiro plano graças às memórias que suscita, feitas de vivências nítidas a oscilarem entre o doloroso e o épico. Ao mesmo tempo, poder mostrar esta exposição num espaço que não ficou imune ao coronavirus – e que continua, ainda hoje, a reabilitar vítimas da pandemia, nomeadamente aquelas afectadas por essa nova entidade clínica designada por “long COVID” –, apenas reforça o seu significado e importância.

Olhando cada uma das imagens, percebemos que Garcia de Marina elege o objecto como meio de expressão. O seu trabalho gira entre as ideias e a intuição, entre o real e o onírico. O peso do seu olhar está no simbolismo, na carga emocional, na essencialidade, na ligação aleatória dos elementos, no convite formulado a que relacionemos um teste rápido com um sinal de trânsito, uma agulha com uma ampulheta ou um pedaço de arame farpado com a silhueta de uns pulmões. É um trabalho de suma inteligência, pontuado de humor e irreverência, que transforma e imprime novas identidades aos objectos, que se insurge contra o óbvio e abraça a grandeza que reside no que é simples. Naquilo que se esconde para lá do visível reside o fascínio da fotografia de Garcia de Marina, cuja visão marcadamente surrealista se assume como legítima herdeira dos paradoxos de Magritte ou da singeleza de Miró. “A Halt to Survive (Pandemic Times)” remexe o passado como quem busca certezas, faz-nos reviver a incógnita de um jogo com um adversário invisível e pergunta-nos, uma e outra vez, o que aprendemos com tudo isto.

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025

EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: "Lendo na Rua"



EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: “Lendo na Rua” / “Leyendo en la Calle”,
de Javi Calvo
iNstantes - Propostas Fotográficas #103
Ponto do Livro - Centro de Reabilitação do Norte
14 Fev > 28 Mar 2025


Um estudo realizado para a Fundação Calouste Gulbenkian, em 2021, concluiu que 61% dos portugueses não leu qualquer livro. “É um número que nos deve envergonhar a todos”, disse então Pedro Sobral, presidente da Associação Portuguesa de Editores e Livreiros e recentemente falecido. À semelhança dos livros, também a paisagem mediática se revela particularmente preocupante, em especial no que à imprensa diz respeito, com recuos anuais nas vendas em banca na ordem dos dois dígitos desde 2022. Mais grave ainda é o facto de os esforços desenvolvidos por vários títulos para angariarem assinaturas pagas na versão digital não servirem para compensar a diminuição da circulação impressa. Prossegue, assim, o definhamento de livros, jornais e revistas, aprofundando uma crise que se avolumou com a pandemia, devido a restrições várias, mas também porque induziu novos hábitos de leitura, de informação e, até, de trabalho que, inevitavelmente, teriam de influenciar o seu consumo. Talvez por isso, uma exposição como a de Javi Calvo, “Lendo na Rua”, seja tão importante: pelas histórias que conta, pelas memórias que convoca, pelo prazer que reconhecemos no simples folhear de um livro ou de um jornal. Um prazer do qual estamos a abdicar muito rapidamente e que, todavia, se mantém ao alcance da mão. À distância de um clique.

Conjunto de treze fotografias num preto e branco depurado, “Lendo na Rua” tem a particularidade de ocupar neste momento as paredes do Ponto do Livro, a recém-inaugurada biblioteca do Centro de Reabilitação do Norte. Num espaço onde é patente o amor aos livros e à leitura, as imagens estabelecem um diálogo intenso e vibrante com o vasto espólio da biblioteca, estendendo-o muito para lá das paredes do Centro. À semelhança dos livros, onde é evidente a força com que nos enlaçam e os caminhos do sonho e da magia que nos fazem tomar, também as imagens resultam numa forma de libertação, estimulando o olhar e a memória, num convite a que façamos corresponder cada lugar, cada gesto, cada expressão captada pelo artista a momentos que nos possam ser queridos. É nesse exercício, onde se cruzam prazer e nostalgia, impulso e fruição, que damos por nós a reviver histórias íntimas, nas quais cabe um banco solitário num imenso relvado ou uma toalha estendida na praia, uma conversa acesa sobre uma personagem de Agustina ou os versos de um poema numa carta de amor, os tostões contados para comprar o jornal ou o capítulo daquele livro que não mais esqueceremos.

De Ávila a Salamanca, de Lisboa ou do Porto a Madrid, Javi Calvo vem captando uma parte importante da essência do quotidiano, num trabalho documental de enorme interesse e relevância. O que podemos apreciar nesta exposição que agora se inaugura é uma ínfima parte das mais de 1.500 imagens que integram um projecto iniciado em 2010 e que se mantém vivo, no qual se inclui a edição de um livro contendo quatro dezenas de imagens, das mais significativas. A par de uma vertente eminentemente sociológica, destacam-se na fotografia o engenho e arte de Javi Calvo que, sem filtros nem truques, retrata as pessoas sem as beliscar na sua autenticidade, nos rostos a expressão do poder da leitura, ora fonte de prazer e diversão, ora de apreensão ou angústia. “Para onde vamos naquilo que lemos”, apetece perguntar, certos de que a leitura tem esse poder de fazer de nós pessoas mais cultas e atentas, mas conscientes do mundo que nos rodeia e mais capazes de formular juízos, não deixando aos outros a tarefa de o fazerem por nós. No Ponto do Livro, o “casamento” entre literatura e fotografia não poderia ser mais feliz.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: "Bela Vista"



EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: “Bela Vista”,
de António P. Ramos
iNstantes - Propostas Fotográficas #97
Casa da Cultura de Avintes
11 > 28 Jan 2025


Não serão muitos os lisboetas que conhecem verdadeiramente o Parque da Belavista e serão ainda menos os que dele sabem tirar o maior partido. Obra do arquitecto-paisagista Marques Moreira, localiza-se na freguesia de Marvila e ocupa o espaço de um pequeno vale com perto de uma centena de hectares e uma configuração em anfiteatro que desce levemente inclinado para Sul. Dos seus miradouros a vista alcança, nos dias mais claros, os contrafortes da Serra da Arrábida e a vila de Palmela, depois de atravessar as colinas de Lisboa, com Alvalade e Chelas ali ao lado e, um pouco mais longe, o verde e fulgurante espaço florestal de Monsanto. Quem o visita não consegue impedir-se de imaginar que o seu fascínio e charme, os enigmas que o povoam ou as sombras que o habitam, são os mesmos que poderão encontrar-se noutros parques bem mais conhecidos, do berlinense Tiergarten ao londrino St. James Park, dos Jardins do Tivoli em Copenhaga ao Vondelpark de Amsterdão. E afinal o Parque da Belavista talvez nem seja tão desconhecido assim, já que por aqui estacionam anualmente multidões à boleia do “Rock in Rio Lisboa”, festival que já acolheu nomes como os de Bruce Springsteen, Britney Spears, Lenny Kravitz, Brian Adams, Stevie Wonder e Amy Winehouse, entre muitos outros.

Quem conhece bem o Parque da Belavista é António Pereira Ramos, fotógrafo nascido em Vila Nova de Gaia mas a residir em Lisboa há largos anos, curiosamente a poucos minutos do Parque. Percorrendo frequentemente o espaço, aproveita ao máximo os seus percursos habilidosamente desenhados, os pequenos bosques que o defendem do vento, os vestígios que deixam adivinhar antigas quintas, azinhagas e campos, tais como descritos por Eça de Queirós. E contudo, “apesar dessa proximidade, eventualmente também por causa dela, poucas vezes lá tinha fotografado e quase sempre de passagem”. Foi assim que decidiu abraçar o projecto de fotografar a Bela Vista de forma comprometida, num percurso que teve o seu início em Outubro de 2019 e demorou quatro anos a concretizar, com uma pandemia de permeio. Durante esse período, percorreu e fotografou o parque com regularidade, “começando muitas vezes na ponte que lhe dá acesso e continuando, depois, nos caminhos quase vazios ou nos espaços temporariamente interditos, nas ruínas das antigas quintas, nalguns recantos esquecidos ou nos espaços amplos, ladeados por vegetação”.

Parte integrante da primeira série de Propostas Fotográficas de 2025, uma iniciativa do iNstantes - Associação Cultural, “Bela Vista” estabelece um dos percursos possíveis por alguns desses momentos e lugares, “muitas vezes habitados pelo silêncio, algumas vezes por pessoas e quase sempre pelo tempo, ou pelos seus vestígios”. Acompanhamos com o olhar as imagens que, num preto e branco depurado, se abrem à nossa frente, parecendo-nos pairar algures sobre o Central Park, como num filme de Woody Allen. Sob a lente de António P. Ramos, também a Belavista é um apaixonante cenário, que o artista decide despir para que a nossa imaginação o possa povoar de pessoas que passeiam descontraidamente, que repousam sentadas nos bancos ou deitadas na relva, que fazem a sua corrida matinal tirando o maior partido do espaço aberto e do ar limpo que se respira. É no meio dessa meia dúzia de privilegiados que vamos encontrar o fotógrafo: No diálogo com árvores velhas de muitos anos, na luz clara e nítida de preciosos momentos, no cinzento dos dias chuvosos ou nas imagens difusas das manhãs de nevoeiro. Verificando mudanças, introduzidas do exterior ou provocadas apenas pelo mudar do tempo, da estação do ano, da hora do dia, da luz que passa, de quem passa. Do passar do tempo.

domingo, 19 de janeiro de 2025

EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: "Dentro"



EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: “Dentro”,
de Vlad Dumitrescu
iNstantes - Propostas Fotográficas #99
Casa da Cultura de Avintes
11 > 28 Jan 2025


“São as pessoas e não os lugares que geram memórias”. Corria o ano de 2017 e Vlad Dumitrescu, nascido em Brasov e com mestrado em administração de empresas, virava costas ao banco onde trabalhava. Estava decidido a abraçar um projecto pessoal dedicado à fotografia e apostado em encontrar e registar, na sua Roménia natal, os traços definidores de uma sociedade rural em vias de extinção. O artista despertara para a fotografia uma década antes, revelando-se crucial a aquisição da sua primeira máquina fotográfica, adquirida a um primo. As memórias da infância e juventude encarregaram-se do resto, levando-o a recuar no tempo, ao encontro da pacatez dos lugares mas, sobretudo, do bom gosto com que as pessoas se vestiam, dos detalhes daquilo que faziam, da simplicidade do seu modo de vida, da beleza dos seus usos e costumes. Tal como sucede em toda a parte, a Roménia atravessa alterações profundas, com as sociedades rurais “puras” à beira da extinção. Daí a importância de preservar momentos mágicos e únicos como aqueles que o fotógrafo nos oferece nesta série verdadeiramente impressiva.

Depois de ter integrado o iN’24 – 11.º Festival Internacional de Fotografia de Avintes e de ter sido mostrada na Escola de Medicina da Universidade do Minho (Braga), “Dentro” oferece-se ao nosso olhar por estes dias na Casa da Cultura de Avintes. As imagens seleccionadas levam-nos ao encontro de mulheres idosas que, no interior das suas casas, se entregam às mais variadas tarefas domésticas. Entre o fiar o linho ou o tender a massa do pão, o escolher os ovos, o mexer um cozinhado ao lume ou o dedicar um tempo à leitura da Bíblia, “Dentro” convoca os sentidos e convida à viagem a mundos que, de alguma forma, conservamos no mais fundo de nós. Mundos que já só fugazmente evocamos, no sabor de umas filhós “que só a minha avó sabia fazer”, de um recipiente onde se acabou de bater um bolo e que rapamos com o dedo, levando-o à boca com deleite, ou de uma sameira que, por brincadeira, movemos com um piparote do dedo. É esta viagem sensorial, através de “imagens que convocam imagens”, que o fotógrafo romeno nos proporciona, numa junção do cultural e do ancestral, com o social e o individual (leia-se “íntimo”).

A importância histórica e o carácter etnográfico constituem, a par do respeito pelos sujeitos fotografados, marcas distintivas desta exposição. Há todo um contexto poético no qual mergulhamos e que convoca o sonho e a magia. Mas que dizer da qualidade dos registos, do cuidado com o enquadramento, da forma como o artista tira o melhor partido da luz? Vlad Dumitrescu tem o raro dom de combinar o olhar realista com a utilização dramática da luz, estando para a fotografia como Caravaggio está para a pintura. As suas fotografias propõem um naturalismo estrito, assente em ambientes entre o real e o encenado e numa cuidada observação física dos sujeitos retratados. Esta “teatralidade” particular de cada um dos “quadros” é reforçada pelo excepcional domínio do claro-obscuro, fazendo com que as zonas de sombra se “esbatam”, ao mesmo tempo que os sujeitos são trespassados por uma luz divina. Há na fotografia de Vlad Dumitrescu essa dimensão eminentemente bíblica, que não afasta a nostalgia ou o fatalismo, mas que, no essencial, abraça a ternura e a esperança. É a natureza a dar largas ao seu livre curso, fundado nos mistérios da Criação. Um grande momento de fotografia, absolutamente imperdível!

quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: “Caminho Francês – Da Primavera ao Outono”



EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: “Caminho Francês – Da Primavera ao Outono”,
de Filipe Neto
iNstantes - Propostas Fotográficas #99
Casa da Cultura de Avintes
11 > 28 Jan 2025


O ano de 2021 caminhava para o final e a pandemia teimava em tolher-nos os passos. Apesar da insistência em quererem dizer-nos ser a cultura segura, as restrições de ordem vária, o controlo sanitário, as medidas de distanciamento e, por que não dizê-lo, o medo de contrair o “bicho”, fazia com que a grande maioria optasse por ficar em casa. A disponibilidade de tempo levava-nos a mergulhar mais insistentemente nas redes sociais e foi aí que, no início de Outubro, começaram a surgir as fotos. Umas fotos fantásticas, dando conta da jornada de Filipe Neto a Santiago de Compostela pelo Caminho da Costa. Ao longo de doze dias, o caminheiro-fotógrafo mostrou, em imagens de rara beleza, que o facto de nos fecharmos não era sinónimo de que o mundo fosse agora um espaço também ele fechado, despido de paisagens, amorfo, disforme, impraticável. E assim, numa caminhada recheada de “sentimentos indescritíveis”, também nós nos fizemos ao Caminho, juntando ao desafio que Filipe Neto havia colocado a si próprio, o desejo de seguir na sua companhia.

“Natureza, liberdade, respeito, comunhão, fraternidade, partilha, amizade”. É desta forma que Filipe Neto classifica o Caminho, acentuando os ensinamentos que ele oferece àqueles que se dispõem a percorrê-lo. Os desafios, físicos e mentais, são gigantes – e isso será um dado incontornável -, mas os ganhos ultrapassam em muito as agruras, que no seu caso incluíram um braço fracturado durante a travessia do Caminho Francês, em 2023. E é precisamente sobre o Caminho Francês que se debruça a mostra agora patente na Casa da Cultura de Avintes, conjunto de imagens representativas daquilo que o Caminho tem para oferecer, dos grandes espaços verdejantes à aridez de um campo de girassóis secos, daqueles com quem se partilha a jornada ao silêncio que se adivinha num longo e solitário percurso. São imagens que espelham a espiritualidade que envolve os peregrinos e que salientam a beleza de uma natureza ímpar, recordando, tal como diz Milan Kundera, que “no mundo dos caminhos, a beleza é contínua e sempre em transformação (…)”.

Com início na localidade francesa de Saint-Jean-Pied-de-Port, quase no sopé dos Pirinéus, e término na Galiza, em Santiago de Compostela, o Caminho Francês tem cerca de 800 quilómetros e pode ser feito em pouco mais de três dezenas de etapas, dependendo da condição física e do planeamento. Quanto a Filipe Neto, decidiu dividir o Caminho em três partes, uma na Primavera e as duas restantes no Outono, munindo-se de um “simples” telemóvel Samsung S23 Ultra para captar as emoções visuais do Caminho. “Caminhar horas a fio dá-nos a possibilidade de apreciar e valorizar melhor o que nos rodeia”, refere na folha de sala da exposição, as imagens aí estando para o comprovar. De uma multiplicidade extraordinária de paisagens urbanas e rurais nos dá conta o artista nesta série fotográfica, cuja maior dificuldade terá consistido na selecção de apenas vinte fotografias, um número muito inferior ao número de dias que durou a jornada. Integrando a série de Propostas Fotográficas que o iNstantes - Associação Cultural vem desenvolvendo desde 2018, “Caminho Francês – Da Primavera ao Outono” está patente ao público na Casa da Cultura de Avintes e pode ser visitada até ao dia 28 de janeiro.

domingo, 1 de dezembro de 2024

EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: "O Pejão... 20 Anos Depois" | Pereira Lopes



EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: “O Pejão… 20 Anos Depois”,
de Pereira Lopes
iNstantes- Proposta Fotográfica #93
Centro de Reabilitação do Norte
27 Nov 2024 > 08 Jan 2025


Pelo olhar de Pereira Lopes, avintense de gema e um apaixonado pela fotografia, regresso ao Pejão. Um regresso “sem sair de casa”, posto que “O Pejão… 20 Anos Depois”, exposição que tive oportunidade de ver em Outubro de 2018, na Casa da Cultura de Avintes, mostra-se, até 8 de Janeiro do próximo ano, no Centro de Reabilitação do Norte. Este é o motivo que me leva a escrever de novo sobre ela, salientando a importância de trazer a cultura para um espaço cuja essência reside na reabilitação de pessoas com doença, mediante a partilha de imagens que, para além da sua qualidade e beleza intrínsecas, contam histórias que a todos enriquecem. Durante a inauguração da exposição, Sofia Viamonte, Directora Clínica do Centro de Reabilitação do Norte, fez questão de salientar que “quem trabalha em saúde, trabalha não só para o bem-estar físico mas também psico-emocional, e o acesso à cultura a todos beneficia”. E acrescentou: “[Esta exposição], ao fazer parte de um programa de reabilitação que tem como principal objectivo a reintegração a todos os níveis da nossa dimensão humana, é uma mais-valia muito grande”.

São vinte os retratos que podem ser apreciados numa das concorridas salas de espera do Centro, não apenas daqueles que trabalharam no fundo da mina, mas também de outros que a ela estão indelevelmente ligados, que são fruto da sua estrutura sociocultural e para quem, hoje, o legado mineiro tem um valor, sobretudo, enquanto memória colectiva. Fruto de um projecto pessoal de recuperação de estórias e memórias, o trabalho de Pereira Lopes abraça a “família do Pejão”, trazendo à superfície o desencontro de sentimentos temperados pela dureza da vida e do trabalho, com jornadas de oito horas e meia por dia, todos os dias, todos os meses e todos os anos, no inferno a mais de 400 metros de profundidade, os pulmões carregados de sílica, a morte sempre à espreita. Este é o resultado de dez meses de preparação, aos quais se juntaram outros tantos de trabalho de campo, daí resultando “O Pejão… 20 Anos Depois”, conjunto de imagens a preto e branco, acompanhadas da edição do livro “... 20 Anos Depois”, e que estiveram na origem duma exposição inaugural nas instalações do Centro de Interpretação da Cultura Local, em Castelo de Paiva, em Outubro de 2015, entrando depois em itinerância e chegando agora a Francelos.

“No poço Maria Luisa / Morreram doze mineiros, olha / Olha a minha vida, olha / Olha como venho eu. // Cinco eram picadores / Cinco eram entivadores / E dois eram marteleiros, olha / Olha a minha vida, olha / Olha como venho eu (...)”. Com as fotografias do Bloca, do Chasco, do Político, da Deolinda do Aido, da Emilia da Gusta, do Casoto, do Manel 29 ou do Pissalho em pano de fundo, as gargantas afinadas de oito elementos do Coro de Mineiros do Pejão, todos eles ex-mineiros, foram portadoras da emoção e riqueza do Cante, precisamente no dia em que se celebra uma década da sua inscrição pela UNESCO, em Paris, na Lista Representativa do Património Cultural Imaterial da Humanidade. Uma coincidência feliz, feita com gente simples, numa cerimónia simples mas plena de significado, combinação perfeita da cultura com a saúde, da arte com a humanização. Falta acrescentar que “O Pejão… 20 Anos Depois” resulta de uma parceria com o iNstantes – Associação Cultural, com sede em Avintes, abrindo um ciclo de exposições que, em 2025, terá o seu ponto alto com a vinda para o Centro de Reabilitação do Norte de um dos polos do iNstantes – Festival Internacional de Fotografia de Avintes, que irá decorrer de 02 a 31 de Maio.