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segunda-feira, 11 de outubro de 2021

EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: "Holy" | Donna Ferrato


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EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: “Holy”,
de Donna Ferrato
Encontros da Imagem de Braga 2021
Casa dos Crivos
17 Set > 31 Out 2021


A imagem que ilustra este texto intitula-se “Behind Closed Doors” e, longe do que se possa imaginar, não é fruto de uma qualquer encenação. Fotógrafa, activista e foto-jornalista, Donna Ferrato tinha feito amizade com o casal da foto, identificado sob os pseudónimos de “Garth” e “Lisa”, e estavam juntos naquela noite. Donna encorajara Lisa a pôr de parte a cocaína, mas quando ela escondeu a droga de Garth este reagiu de forma violenta. Os gritos de Lisa a meio da noite acordaram Donna e o seu instinto foi pegar na máquina fotográfica e ver o que se passava. Garth não parava de bater em Lisa e Donna pensou que se fotografasse a cena talvez ele parasse de agredir a companheira. Na verdade Donna não fazia a menor ideia do que poderia acontecer. O incidente acabou por inspirar a sua vida e a obra. Esta imagem, considerada pela revista Time como uma das cem mais influentes de sempre, contribuiu de forma decisiva para que a sociedade tomasse consciência dessa verdadeira epidemia que era a violência doméstica nos Estados Unidos. Em 1991 Donna publicou o livro “Living With the Enemy” e três anos mais tarde o Congresso aprovou o “Violence Against Women Act”, uma lei que enquadra a violência de género.

Trinta anos volvidos sobre momentos tão marcantes, Donna Ferrato está entre nós e mostra-nos “Holy”, uma compilação das suas fotografias sobre aquilo que ela define como “a sabedoria e a coragem das mulheres”. A Casa dos Crivos, um dos mais bonitos espaços expositivos da presente edição dos Encontros da Imagem, torna-se, assim, ponto de paragem obrigatório não apenas para os amantes da fotografia mas para todos aqueles que pugnam por uma sociedade mais justa e melhor. Lá encontrarão imagens que contam histórias com essa matriz comum da violência de género mas cujo desfecho oferece uma nota de esperança e, não poucas vezes, de redenção. São imagens - algumas delas podendo ferir a susceptibilidade do visitante - que remetem para a acção, para a não aceitação de um destino de repressão e sujeição, para o não baixar os braços, ainda que o gesto possa ser um simples levantar o auscultador do telefone e marcar o 911 em busca de auxílio.

Dos encontros anuais de pessoas que perderam os seus familiares em consequência de actos de violência doméstica, às mulheres que quebram os ciclo de violência pegando nos filhos e fugindo para bem longe ou à criança que, de dedo em riste, assiste à prisão do pai e lhe diz que nunca mais quer voltar a vê-lo, há todo um conjunto de mensagens fortíssimas nas imagens de Donna Ferrato que importa assimilar. Expor, documentar e prevenir a violência doméstica contra as mulheres e crianças através de histórias reais de pessoas reais, tal é o objectivo de Donna Ferrato. “Holy”, o trabalho que pode agora ser visto, é uma forma pungente de proclamar a sacralidade dos direitos das mulheres e o poder que elas tem de ser senhoras do seu próprio destino. É ainda um libelo contra as desigualdades e grandes assimetrias que persistem, proclamando o equilíbrio de poder entre homens e mulheres, a criação de condições para que a mulher seja autónoma nas suas decisões e na forma de gerir a sua vida e, não menos importante, a introdução da perspetiva de género nas políticas, uma das ferramentas fundamentais de combate às desigualdades. Para ver, reflectir e agir.

segunda-feira, 26 de outubro de 2020

EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: "ReGenesis" | Gonçalo Delgado


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EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: “ReGenesis”,
de Gonçalo Delgado
Encontros da Imagem de Braga
Casa dos Crivos
11 Set > 31 Out 2020


“A luta é desigual, Entre a primeira linha e os primeiros infectados, a tensão vibra no olhar vazio de quem roga à praga. Respiramos, colmatando a incerteza do amanhã, entre máscaras – que não são mais que um placebo dos tempos modernos. Flamejamos onde o último vislumbre não nos foi permitido, entre medidas de protecção incoerentes e moratórias desajustadas. A saudade mata num confinamento que destrói os cânones mais básicos da sociedade e interligação pessoal. Damos por nós a sentir falta do abraço que não chegou, do sorriso que não vemos, tapado pela incerteza que amanhã será melhor. Renasceremos assim pela dedicação e amor daqueles que deram tudo por cintilar um amanhã, pela vida, por nós.”

É sob o signo da máscara que decorre, até ao próximo fim de semana, a 30ª edição dos Encontros da Imagem de Braga. Um signo ao qual impossível se torna escapar, a normalização de toda uma sociedade garantida mediante este encobrimento parcial do rosto, a impossibilidade de expressar num sorriso aberto ou numa careta de desconforto as emoções do momento. E, porém, a vida continua. Ordeiramente acedemos aos espaços públicos de máscara no rosto e, em nome da Saúde Pública, afastamo-nos uns dos outros, recusamos o abraço ou o beijo, condicionamos os momentos de pausa e convívio, aceitamos que nos impeçam de aconchegarmos os mais indefesos ou resignamo-nos quando nos é vedado um último adeus. Nestas alturas, o corpo estremece e o coração pára por instantes, para logo retomar a sua cadência, obrigando-nos a refazermo-nos a cada instante. A renascer.

“ReGenesis” fala-nos deste tempo em que vivemos, um tempo nebuloso, indefinido, desbotado, tal como as imagens de Gonçalo Delgado que vemos surgir perante o nosso olhar. São imagens que contam histórias, nem sempre de final feliz. Imagens que acompanham a linha do tempo, do primeiro choro do recém-nascido ao derradeiro instante da partida para um além que ninguém sabe onde se situa. Imagens que reclamam recolhimento e que apontam para o mais íntimo de cada um, imponderáveis viajantes nesta barca a que chamamos corpo, eternos aprendizes na arte de fintar o destino, cativos por inteiro de um “plim” da sorte. Imagens que nos surgem desfocadas a ponto de colocarmos em causa o nosso discernir. E então, fatalmente, encalhamos na eterna pergunta para um milhão de euros: Porquê eles e porque não eu?

Patente na Casa dos Crivos até ao próximo dia 31 de Outubro, “ReGenesis” confirma Gonçalo Delgado como um fotojornalista de excelência. Dele tivera oportunidade de ver, no âmbito dos prémios Estação Imagem, trabalhos tão intensos como “Inferno” ou aqueloutro sobre a Semana Santa de Braga. Desta vez, porém, supera-se. A imagem congelada, o tempo parado, são vincos duma estética hiper-realista que acentua a dimensão desta verdadeira tragédia que se abate sobre a humanidade. São imagens de um tempo nosso. Por essa razão estranhamos a azáfama de uma sala de emergência, uma vida inocente lançada no mundo ou um cortejo fúnebre tão parcamente composto. Da mesma forma que sentimos a nossa revolta na proporção directa da nossa impotência. As imagens, essas, estão lá para nos dar conta da nossa própria verdade.