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quarta-feira, 23 de julho de 2025

CONCERTO: "Redescobrindo Palestrina" | La Grande Chapelle



CONCERTO: “Redescobrindo Palestrina”
La Grande Chapelle
Direcção musical | Albert Recasens
Com | Raquel Mendes e Axelle Bernage (sopranos), David Feldman e Marco van Baaren (altos), Jeremie Coleau e Joan Francesc Folqué (tenores), Pieter Stas e Guillaume Orly (baixos), Marta Vicente (violone) e Jorge López Escribano (órgão)
Cistermúsica – Festival de Música de Alcobaça
Salão da Biblioteca do Montebelo Mosteiro de Alcobaça Historic Hotel
19 Jul 2025 | sab | 21:30


Há mais de três décadas a ligar património, música e comunidade, o Cistermúsica – Festival de Música de Alcobaça é a demonstração viva do valor e interesse dos chamados “pequenos festivais”, da sua capacidade de se agigantarem e reflectirem a inegável dimensão universal da música, espelhada não só na qualidade e diversidade dos agrupamentos e artistas envolvidos, mas também no contraste de estilos que contribuem para a riqueza da sua programação. Ancorado na música erudita, o Festival deste ano tinha no agrupamento espanhol La Grande Chapelle, sob a direcção do maestro Albert Recasens, um dos seus maiores trunfos e as expectativas não saíram goradas. O numeroso público que encheu o belíssimo Salão da Biblioteca do Montebelo Mosteiro de Alcobaça Historic Hotel foi brindado com uma noite de redescoberta desse “mestre moderno” que foi Giovanni Pierluigi da Palestrina (1525 – 1594), um prolífico autor de missas, hinos e motetos para a Igreja Católica e considerado hoje o mais importante compositor de música sacra do século XVI.

No ano em que se celebra o 500.º aniversário do nascimento de Palestrina, escutar a sua obra é recuar aos finais do Renascimento enquanto período áureo da música religiosa um pouco por toda a Europa e mergulhar na enorme revolução vivida no seio da Igreja, com o Concílio de Trento a afirmar-se, consistente e firme, como resposta à Reforma Protestante. Sobretudo, é valorizar o “exercício de diplomacia” de que se revestiu a associação da música de Palestrina com os princípios da retórica tridentina, é perceber a ênfase colocada na oratória sem que os princípios da harmonia e do ritmo saíssem beliscados, é tomar consciência da importância do conteúdo afectivo e dramático das peças, da sua inteligibilidade, ao encontro de uma resposta mais emocional no ouvinte. Mostrando uma consciência plena das novas tendências da música sacra no final do século XVI, Palestrina produziu um corpo considerável de música policoral, com muitas das suas composições a permanecerem até hoje praticamente desconhecidas do público. Foi sobre esse repertório escondido que La Grande Chapelle se concentrou, trazendo até Alcobaça um conjunto de peças verdadeiramente preciosas.

Demonstração plena da riqueza da polifonia renascentista, daquilo que representa, de como soa e se sente, da sua intensidade e beleza, o momento proporcionado pelo agrupamento espanhol colheu os frutos da sua demanda: proporcionar uma viagem de elevação e espiritualidade através da música do compositor romano. Face aos desafios musicais e expressivos das peças, o coro mostrou-se imaculadamente equilibrado, as vozes envoltas numa harmonia luminosa que arrastou o público a lugares fortemente introspectivos e de reflexão. O comedimento da linguagem musical de Palestrina viu-se compensado pela intensidade emocional das linhas vocais. Salmos, responsórios, antífonas, motetes, sequências e ofertórios abriram espaço nas mentes do público, ao encontro de momentos de verdadeiro júbilo. Ninguém ficou indiferente à expressividade, fulgor e virtuosismo da soprano bracarense Raquel Mendes, cuja voz límpida arrebatou o público em peças exigentes como “O bone Jesu”, “Crucem sanctam subiit” ou o excepcional “Regina coeli”, que o grupo repetiu num “encore” mais do que reclamado. Num espaço magnífico, um concerto que abriu as portas do céu.

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