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segunda-feira, 21 de julho de 2025

CINEMA: Shortcutz Ovar Sessão #97 - Festa dos Premiados



CINEMA: Shortcutz Ovar Sessão #97
Festa dos Premiados 2024
Apresentação | Tiago Alves
Escola de Artes e Ofícios
18 Jul 2024 | sex | 21:30


A coroar um ano de muito e bom cinema em versão curta, a Escola de Artes e Ofícios abriu as suas portas à Festa dos Premiados, cerimónia de atribuição de galardões aos filmes que mais se distinguiram em 2024 nas categorias de Melhor Curta, Melhor Animação e Melhor Primeira Obra, havendo ainda lugar à atribuição do Prémio do Público e, se assim for entendido, do Prémio Especial do Júri. Numa noite sempre especial, de expectativas em alta, emoções ao rubro, muita festa e animação, a bonita Sala Expande foi pequena para acolher as duas centenas de espectadores que fizeram questão de marcar presença, repetindo aquilo que já vem sendo um hábito para um número crescente de “ferrinhos” da última quinta-feira do mês, elevados da categoria de visitantes ocasionais à de cinéfilos atentos e conhecedores, amantes do bom Cinema que se faz em Portugal na sempre desafiante versão curta. Foram eles que, guiados por Tiago Alves, incomparável mestre de cerimónias, recordaram a oitava temporada, vibraram com as escolhas do júri e do público, escutaram as reacções dos premiados e tiveram a oportunidade de ver ou rever alguns dos filmes da sua predilecção.

Muito aplaudido pela atribuição do Prémio de Melhor Curta 2024 e do Prémio do Público, “2720”, de Basil da Cunha, foi o grande vencedor da noite. Trata-se de um filme que leva o espectador ao encontro do quotidiano de um bairro clandestino da Reboleira, com as suas labirínticas ruelas e becos, as suas escadas íngremes, mas também a harmonia das suas gentes e a solidariedade que demonstram, ali, onde “não há miséria, só dificuldades” e onde “corre tudo bem até chegar a polícia”. Numa semana em que as demolições de Loures nos envergonharam a todos, o filme ganha um invulgar cunho de actualidade, prestando homenagem aos espaços criados pelas pessoas e para as pessoas, cada vez mais ameaçados, em vias de extinção. Além da sua dimensão documental, o filme expressa a urgência em denunciar situações de uma tremenda injustiça social, que insultam os valores da liberdade e da democracia, num país que assine a um crescimento descontrolado do racismo estrutural. Na ausência de Basil da Cunha, António Cunha, o pai, e Camila Moniz, a pequena actriz que guia o espectador ao longo do filme, assumiram os dois momentos de premiação, reforçando, com a sua presença e as suas palavras, a intensidade e vibração de um filme que é uma carta de amor ao bairro e um hino de amor ao Cinema.

Com o foco numa programação marcada pela diversidade, criatividade e qualidade, as escolhas de Tiago Alves e Ana Castro revelam uma particular atenção aos novos talentos, com nove filmes exibidos ao longo da temporada a título de primeiras-obras. Dentre eles, o júri destacou “Rinha”, de Rita M. Pestana, um filme “instigador” que se interroga sobre o espaço que sobra para o prazer quando o dever nos consome. Dividida entre a condução do táxi do pai alcoólico e os galos de briga que trata com uma delicadeza feroz, o filme acompanha Cássia, uma mulher que (sobre)vive no meio das sombras e responsabilidades. A imagem captura uma luz natural crua, enquadramentos apertados que parecem respirar angústia e introspecção. Do barulho do motor ao bater dos pés na terra, o filme é revelador da luta interior de alguém que cuida do outro enquanto se afasta da sua própria identidade. A obra não propõe fugas fáceis, mas expõe o corpo e o espírito da personagem principal num embate entre as obrigações indirectamente impostas e a sua liberdade. “Rinha” é um grito contido da realizadora que ressoa na consciência do espectador, e que nos deixa a perguntar até onde pode ir uma filha antes de se esquecer de si.

A preocupação temática que preside à programação das várias sessões ao longo do ano parece transposta para a Festa dos Premiados, de novo com um filme que espelha mais uma realidade que se abate de forma cruel sobre as nossas sociedades. “Sopa Fria”, de Marta Monteiro, mergulha numa memória feminina, atemporal, marcada pela violência doméstica - não aquela que se vê, mas a que se sente nos silêncios, nas hesitações, na sopa que arrefece enquanto o medo se instala. Visualmente o filme é um caderno de memórias rasuradas: traços simples, colagens, cores suaves que escondem dores fundas. A casa transforma-se em corpo - um espaço que respira a ansiedade - e a água traz uma constante sensação de afogamento. Mais do que narrar uma história, “Sopa Fria” convida-nos a senti-la com o corpo. Não se trata de fechar feridas, antes deixá-las cuidadosamente expostas, levando-nos a um silêncio desconfortável de quem acabou de ver algo íntimo, verdadeiro e necessário. Falemos enfim do Prémio Especial do Júri, atribuído a “Corpos Cintilantes”, de Inês Teixeira, um filme que fala de uma curiosidade infantil transformada em coragem de desbravar a vida pelo próprio pé.

[Texto baseado nos apontamentos de Tiago Alves, Leandro Ribeiro, Laura Rui, Surma, Ana Vilaça e deste blogue, insertos no belíssimo catálogo da Festa dos Premiados 2024]

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