Das tapeçarias de Portalegre conhecemos-lhes a história longa de mais de oito décadas ao serviço da arte e da cultura, a sua originalidade e enorme poder decorativo, a peça no tear vertical a crescer a partir da base, o trabalho de “formiguinha” das laboriosas tecedeiras. No rigor de uma técnica integralmente manual, capaz de traduzir na perfeição o cartão do pintor, abraçamos as obras de Nadir Afonso, Manuel Cargaleiro, Graça Morais, Luís Pinto-Coelho, Almada Negreiros, Vieira da Silva, Guilherme Camarinha, Joana Vasconcelos e tantos outros artistas, como se dos seus originais a óleo ou acrílico se tratasse. Mas as narrativas em torno de cada uma destas peças verdadeiramente assombrosas não se esgotam na sua qualidade e originalidade, na técnica invulgar ou na preservação de uma arte com tanto de saber como de paixão. É isto que “Tecendo Música: A Iconografia Musical na Tapeçaria de Portalegre” vem demonstrar, ao combinar elementos que reconhecemos como pertencentes ao universo da música, com a evocação de práticas sociais, culturais e performativas, gestos ou estruturas simbólicas próprias do som, da escuta e do acto musical.
Com curadoria de Cláudia Sousa, a exposição propõe um olhar sobre as presenças musicais, visíveis tanto em instrumentos e músicos, como na composição rítmica das formas ou na evocação sensorial de práticas e ambientes. Nesta ligação dos universos musical e pictórico, a arte da tapeçaria surge como um meio onde som e imagem se cruzam, o ritmo do fio e o silêncio da lã repletos de memórias e gestos que falam também de música. De forma subtil, mas intensa e viva, a exposição é um desafio aos sentidos do visitante, convidando-o a perceber na destreza e minúcia com que a tecedeira trabalha a trama, o suave dedilhar das cordas de uma harpa ou o leve pousar dos dedos sobre as teclas de um piano. Esta forte ligação do que se vê ao que se ouve é reforçada por um conjunto de propostas musicais surpreendentes, nas quais imperam a elegância e o bom gosto. Prova disso é a harmonização de composições sonoras realizadas por um conjunto de alunos da Escola de Artes do Norte Alentejano, inspiradas nas tapeçarias expostas de, entre outros, José de Guimarães, Siza Vieira, Júlio Pomar, Cruzeiro Seixas ou Le Corbusier.
O projecto “Mil e uma Noites”, do grupo UmColetivo e vozes de Ana Lua Caiano e Cátia Terrinca, integra igualmente a exposição. Através dele, o visitante tanto é receptor das músicas que as imagens convocam, como tem a possibilidade de criar música a partir das tapeçarias que se abrem ao seu olhar. No convite a fechar os olhos e ouvir de imaginação aberta, hão-de soar teares e estórias de quem partilhou com eles a vida, bem como poemas de artistas plásticas e mulheres que contribuíram para que a arte da tapeçaria de Portalegre seja, afinal, capaz de atravessar os tempos. Na reunião de artistas de diferentes gerações, sensibilidades e linguagens visuais, encontra esta mostra a expressão maior do dar(-se) a ouvir, incentivando o visitante a descobrir não apenas a presença da música na tapeçaria, mas a diversidade de interpretações que dela podem emergir. “Tecendo Música: A Iconografia Musical na Tapeçaria de Portalegre” é, por isso, mais do que uma exposição sobre a música como tema. É uma viagem pela escuta silenciosa da tapeçaria. Um convite a ver com os olhos... e a ouvir com o olhar.
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