Portentosa sinfonia de sol e de brisas, de luz e de cores, a Terra de Valdevez tem num verde viçoso sem par a sua nota dominante. E isto tanto é válido no Inverno como no Verão, o que a transforma numa pequena caixa de sedução. Franjeada pelo poético Lima, sulcada ao meio, e de ponta a ponta, pelo idílico Vez que lhe dá o nome, esta é uma terra caprichosamente moldada pela natureza, ora em montanhas empinadas e altivas, ora em preguiçosas encostas onde amadura o vinho e sonolentas várzeas onde cresce o pão. É neste quadro natural do mais belo recorte que vamos encontrar os Arcos de Valdevez, cujos habitantes sabem aliar um vasto e rico património à História e à Tradição. Guardiães de um legado milenar, os arcuenses primam em defender as suas matrizes identitárias, sem fechar as portas à modernidade que se oferece em Arte e Cultura. Deste “casamento de interesses” nasce o MurArcos, Festival de Arte Urbana voltado para a dinamização cultural e a reabilitação do espaço público. Desde 2023 que um conjunto de artistas, influenciados pela tradição local, as histórias da população e o contexto histórico e natural de Arcos de Valdevez, tem sido chamado a modernizar o aspecto rústico das casas locais, a impulsionar diálogos intergeracionais e a trazer um novo brilho à zona histórica dos Arcos de Valdevez.
À vista de todos, o resultado de três edições do Festival salda-se em treze intervenções de grandes dimensões e um número de peças de pequeno formato que, até ao início desta edição, era de três, mas que irá certamente crescer graças à criatividade e labor da artista britânica Helen Bur. Os amantes da Arte Urbana conhecem Helen Bur das suas muitas miniaturas espalhadas pela vila de Figueiró dos Vinhos, ou desse extraordinário mural na Covilhã que homenageia as mulheres trabalhadoras da indústria têxtil. Na edição deste ano do MurArcos, a artista oferece-nos uma peça de grandes dimensões, a qual pode ser apreciada na Rua Dr. Joaquim Carlos da Cunha Cerqueira e que representa um muito apetecido mergulho nas águas do Vez. Particularmente chamativo, o trabalho encerra uma dimensão marcadamente impressionista, tirando um extraordinário partido do jogo natural de luz e sombra que o entorno acrescenta. Mas Helen Bur não se fica por aqui e, no Largo da Valeta, já fez nascer duas peças miniaturais, de cunho realista, inspiradas em personagens com as quais a artista se vem cruzando nesta sua passagem pelos Arcos. A ver vamos quantas mais peças poderão surgir nas últimas vinte e quatro horas do evento.
Caminhando em direcção ao centro da vila, vamos encontrar na Rua Dr. António José Pimenta Ribeiro um mural em progresso com a assinatura de Jorge Charrua. Numa fase ainda precoce da sua execução, a peça não dá a ver aquilo no que se irá tornar, mas pela dimensão e colorido que se adivinha em esboços mais adiantados promete vir a ser algo de muito impactante. Certamente impactante e também em progresso está o trabalho conjunto das artistas Daniela Guerreiro e Mariana Duarte Santos. Com provas dadas no panorama da Arte Urbana, quer no plano nacional como internacionalmente, as artistas propõe-se oferecer-nos a figuração daquilo que parece ser o momento de pausa de alguém que, à hora do café, passa o olhar por uma fotografia antiga e reaviva memórias de um tempo outro. Vamos ter de aguardar pela conclusão da peça, mas o resultado final promete ser deslumbrante e pleno de significado. A concluir a breve apreciação dos trabalhos desta terceira edição do MurArcos, falo de Manolo Mesa e do mural que está a desenvolver na Rua 25 de Abril e que, em distintas narrativas, funde a ponte dos Arcos, réplica da anterior ponte medieval e um dos ex-libris da vila, com um conjunto de belas peças de cerâmica, de inspiração autoral, mas que lembram a tradicional loiça de Viana do Castelo.
Passemos agora um olhar pelo legado das duas primeiras edições do Festival. Desta “herança” artística, importa destacar os trabalhos das já referidas Daniela Guerreiro e Mariana Duarte Santos, quer em peças individuais, quer em colaboração artística entre si e com a participação de Regg Salgado, curador do MurArcos e também ele um extraordinário artista - impressionante o seu “Fio Condutor”, na Covilhã. Deste último podemos apreciar um mural muito belo intitulado “O Guarda do Vez” e, numa caixa de electricidade, junto a um mimoso recanto próximo do Largo da Valeta, “Jogo das Caricas”. Num registo muito próximo da ilustração, Mutes oferece-nos as obras “O Major e a Raposa” e “Sem Título”, esta última remetendo para o Recontro do Vez, decisivo episódio da História de Portugal ligado à fundação da nacionalidade. Pintora e muralista reconhecida internacionalmente, a argentina Milu Correch tira partido de duas faces de um posto de transformação de electricidade para, numa peça sem título, nos levar ao encontro do universo infantil e do brincar aos fantasmas. Em mais um extraordinário mural, Pantonio convida-nos a espraiar o olhar pelo Vez ao encontro de uma flora e de uma fauna que, na sua pintura, se fundem em graça, cor e movimento. Olhamos, enfim, para aquela que será a mais apreciada peça de um espólio que não cessa de crescer e que representa, na deslumbrante arte de Bordallo II, a Cachena, o maior bovino autóctone da Península Ibérica. Hoje termina o MurArcos, mas as peças vão estar lá pelo tempo fora e, em qualquer altura, são merecedoras de uma visita.
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