Páginas

terça-feira, 25 de fevereiro de 2025

EXPOSIÇÃO: "O Regresso" | Rosa Bela Cruz



EXPOSIÇÃO: “O Regresso”,
de Rosa Bela Cruz
Espaços de Pensar - Teias de Sentir
Museu Júlio Dinis - Uma Casa Ovarense
01 Fev > 29 Mar 2025


Depois de “Minha Senhora de Mim (de Quê)?”, há uma nova exposição de Rosa Bela Cruz para ver no Museu Júlio Dinis - Uma Casa Ovarense. A mostra, de carácter antológico, intitula-se “O Regresso” e, para além da delicadeza e sensibilidade do conjunto da obra, mostra o rigor e a coerência de uma pintura centrada desde sempre na figura da mulher. Adentremos a bela sala de exposições, bebamos a luz cálida que se derrama do enorme janelão que abre para o quintal da casa e espantemo-nos com a quantidade de trabalhos expostos, muitos deles reconhecidos de outros momentos. Ainda despojado do ardor crítico, um primeiro olhar abarca a delicadeza do traço, a suavidade da cor, a harmonia do conjunto. Alvo preferencial da atenção da artista, as mulheres figuram nas suas obras em graça e beleza: Sedutoras, ousadas, irreverentes. Ao mesmo tempo frágeis, delicadas, inquietas, angustiadas. Para as mulheres de Rosa Bela Cruz, a certeza de si e do lugar que ocupam está longe de ser chão seguro.

O olhar apura-se, percorre o quadro e encontra nele matéria de desassossego. Detém-se nos olhos das mulheres que, como um íman, o atraem. Olhos grandes e vivos, que se movem incessantemente. Olhos que nos seguem para onde quer que vamos. Nesse encontro de olhos que nos olham, somos invadidos pelo desconforto. Neles encontramos a urgência do muito que têm para contar. Aproximamo-nos e a inquietação adensa-se. Reparamos que são delicadas as rendas que velam rostos e corpos, que sobre eles fazem pousar as marcas do charme discreto e do bom gosto. Rendas que não disfarçam essas outras marcas, mais fundas e terríveis, da adversidade, da mágoa, do desprazer. Da intensa e constante luta que travam as mulheres de Rosa Bela Cruz, que travam todas as mulheres, nos fala cada um destes trabalhos. Em forma e cor, abrem-se contra o preconceito e a discriminação de que enferma uma sociedade conservadora e machista. Nos rostos que se erguem, nas poses que se fazem causa e razão, vigor e altivez, mostram-se as mulheres como arautos da mudança.

Para esta exposição, Rosa Bela Cruz desenvolveu uma nova série de trabalhos que agrupou sob o nome de “Encaixotadas”. Através deles, a artista propõe “uma reflexão crítica sobre a exploração que transforma o corpo da mulher, sempre jovem e esbelto, numa ferramenta ao serviço de estratégias comerciais sem qualquer relação ou ligação directa com a circunstância de ser mulher”. Trata-se do prolongar desse incessante grito de revolta, ao mesmo tempo desconstruindo este tipo de representações que ilustram “essa falsa juventude eterna e essa beleza estereotipada como elementos cruciais das narrativas criadas com recurso a corpos com pele sedosa e perfeita, medidas ideais e sem marcas da passagem do tempo e das agruras da vida. “Pesadelo”, instalação onde figuram, na tela, 28 facas sobre um coração rendilhado, envolto por um véu aos pés do qual jaz um ramo de rosas vermelhas, fecha a exposição. É o derradeiro “murro no estômago”, a lembrar as mulheres mortas em contexto de violência doméstica. Para nossa tão grande tristeza e culpa. Para nossa maior vergonha.

Sem comentários:

Enviar um comentário