TERTÚLIA: “Conversas à Volta do Tanque”
Com Manuela Grazina
Moderação | Joaquim Margarido
Espaços de Pensar - Teias de Sentir
Museu Júlio Dinis - Uma Casa Ovarense
18 Jan 2025 | sab | 16:00
“Em 2022, as mulheres receberam menos quase cinco milhões de euros que os homens com idênticas qualificações. A desigualdade é tanto maior quanto maior é a qualificação e o nível de escolaridade das mulheres. Se a felicidade não se mede em euros, até que ponto a persistente discriminação das mulheres nos seus locais de trabalho é ou não um fator de instabilidade, de desmotivação ou de descrença na construção de uma sociedade mais justa e equilibrada? Numa sociedade em permanente mudança, o que explica as persistentes resistências ao reconhecimento e valorização da importância da mulher no tecido social? Qual a razão para as mulheres não conseguirem inserir-se no espaço público em paridade com os homens? Será o sofrimento, a desconsideração, a secundarização, sina da condição de ser mulher? Está vedado às mulheres o direito à felicidade plena?”
“Conversas à Volta do Tanque”, excerto da Folha de Sala
“O nosso cérebro tem uma série de sensores que captam os estímulos. Processamos mais ou menos rapidamente em função das memórias armazenadas, das aprendizagens que fomos fazendo, das experiências boas ou más que fomos tendo, das emoções que associamos a cada experiência. E vamos pondo as coisas em ‘gavetas’, numa estrutura que se chama hipotálamo e que é a nossa placa de memórias.” No início de mais uma “conversa à volta do tanque”, as palavras são de Manuela Grazina, doutorada em Ciências Biomédicas, comunicadora de ciência dinâmica e promotora de literacia científica em saúde, defensora da ciência para todos, alguém que acredita firmemente que a instrução e o conhecimento são os melhores indicadores para o desenvolvimento, preparação de melhores profissionais e melhoria das condições de saúde das populações. Uma conversa marcada por momentos de partilha com um numeroso público, ávido de abraçar a ciência e o conhecimento que se esconde até nas coisas mais simples: Nos tachos e panelas, numas costelas de vaca grelhadas e numa massa ou num arrozinho branco para acompanhar.
Na mesma casa onde Júlio Dinis contactou, no Verão de 1863, com um quotidiano simples e que viria a verter em magníficas obras literárias, Manuela Grazina mostrou, de forma igualmente simples, como é bom espalhar aquilo que designou por “sementes de Ciência”. A sentença da avó Maria - “é no dar que se recebe” -, é hoje um dos lemas mais caros à cientista, que encontra recompensas no facto de “estar a fazer alguma coisa de bom pelo outro”. Mentes abertas, portanto, a conversa foi-se projectando ao encontro da importância de ajudar alguém, pelo efeito transformador na vida da pessoa ajudada, mas também pela reacção em cadeia que daí pode advir. Mas atenção: “Não nascemos todos com a mesma probabilidade de ser felizes ou de fazer o bem”, cabendo aqui enunciar factores genéticos e ambientais que podem estar na base das diferenças e que incluem, entre outros, aquilo que comemos, a água que bebemos, o exercício físico que fazemos e todos os estímulos que nos chegam através dos sentidos e que mexem com as nossas emoções. Ou seja, “isto de tomar boas decisões não é para quem quer, é para quem pode”.
“Que importância têm as memórias na construção da felicidade?” O moderador pergunta e a interlocutora, num primeiro momento, pega na questão e dirige-a ao público. À volta do tanque, é tempo de falar de filhós e café de cafeteira, carroceis cor de rosa e cheios de luzes, um cheiro a queijo picante, uma cadeirinha, um sapatinho de verniz e um guarda chuva, um dedo que rapa o tacho com restos de massa de bolo de coco, as histórias de “faz de conta” do avô Hélio. As mesmas histórias de “faz de conta” que hoje nos ajudam a não colapsarmos, “quando os familiares adoecem, avaria o frigorífico e a máquina de lavar, rebenta a caldeira, pára o carro no meio da ponte”, e que dão um contributo fundamental para a criação da esperança. “São sementes no nosso jardim da esperança, sem as quais vivemos, mas vivemos mal”, que nos socorrem com as memórias de que é possível que, nos piores momentos, tudo venha a correr bem. Acordar, pestanejar, é motivo para nos sentirmos felizes e devermos fazer algo pelos outros, é a lição seguinte. De uma coisa podemos estar certos: “Desde o momento em que entraram aqui, o vosso cérebro vai mudar para sempre”, afirma Manuela Grazina, fazendo crescer a boa disposição (e a felicidade) na sala.
“A felicidade é como o açúcar, o sol ou o sal: Deve ser q.b.” Em velocidade de cruzeiro, fala-se agora de felicidade, “algo que em excesso faz muito mal”. As pessoas querem muito ser felizes, mas diz Manuela Grazina que “só de vez em quando”, acrescentando que “ser sempre feliz dava connosco em tolinhos”. Daí o devermos estar gratos “a todas as pessoas que nos dificultam a vida”. É que os ciclos de “calmaria” são muito importantes para conseguirmos ser felizes, “caso contrário nem teríamos consciência do que é a felicidade”. De passagem pelo hipocampo, pelo sistema límbico e pela amígdala, falamos de Dopamina e de “tratar a dor com beijinhos”, para logo abordar a questão dos placebos e a quantidade de antidepressivos e de analgésicos que chumbam nos ensaios clínicos porque um comprimido de açúcar e farinha consegue mostrar-se mais eficaz. O facto está relacionado com um fenómeno neuroquímico extraordinário que é a fé: “Porque acreditam em algo, as pessoas vão estar a activar a via da recompensa e, como isso é importante na resposta à dor, na resposta ao mau-humor, vai tudo melhorar.”
Em que medida é que a felicidade pode ser uma questão de sorte? A resposta é afirmativa, até porque todos nós somos uma “lotaria de eventos”. A cientista lembra como tudo começa - “com duas células, uma do pai, outra da mãe” -, mas lembra igualmente que a genética é a primeira grande variável no quadro das probabilidades, ao dar a uns, mais do que a outros, a possibilidade de reagir mais adequadamente a um estímulo, a ser “a pessoa certa, no sítio certo, à hora certa”. Enfim, “sorte temos todos, mas não temos todos a mesma sorte”, sendo a nossa maior sorte “ter conhecimento para fazer o melhor possível com aquilo que somos e para nos irmos construindo de uma forma que nos dê bem estar, mas sobretudo a todos à nossa volta”. Portanto, “isto da sorte, mais do que receber, constrói-se: Com conhecimento, todos os dias e a cada momento.” Mas então, e se ganhássemos o Euromilhões? “Era espectacular”, refere Manuela Grazina, “não pelos bens pessoais que pudesse adquirir, mas pela possibilidade de fazer coisas fantásticas”.
Foi na fase de perguntas do público que surgiu a questão que presidiu à “conversa à volta do tanque”: A Felicidade também se conjuga no Feminino?”. A resposta volta a ser sim, começando Manuela Grazina por lembrar que “as mulheres são o berço da Humanidade”. Levando a questão para o campo social e para a construção de uma ideia de nós próprios que advém dos estímulos daqueles que estão à nossa volta, a falta de protecção das mulheres, a sua não valorização e desconsideração, apenas vem mostrar que, enquanto sociedade, há um longo caminho a percorrer. Levantou-se ainda a questão da diferença entre o cérebro de um homem e o de uma mulher. A resposta é simples, sem estereótipos: “O cérebro do homem é 7% maior do que o da mulher, mas como em tudo o tamanho não quer dizer nada”. Finda a gargalhada geral, Manuela Grazina explica que “o cérebro é como uma noz, tem duas metades divididas por uma estrutura chamada corpo caloso, um conjunto de fibras que fazem comunicação entre os dois hemisférios e cuja estrutura é maior nas mulheres.”
Para o final da tertúlia estava guardada a questão sacramental, aquela pela qual todos aguardaram quase duas horas e meia. Após ter passado o tempo da conversa à volta do tanque a dar pistas sobre verdades e consequências em torno da felicidade, Manuela Grazina não quis assumir sozinha a tarefa de elencar os ingredientes para a receita da felicidade, partilhando com o público mais um momento feliz. Foi tempo de falar de cuidar dos outros, sentir que a nossa vida é uma dádiva, mostrar-se grato, adoptar uma atitude sorridente (“porque, quem passa, usufrui daquele que pode ser o único sorriso que vê nesse dia”), pensar positivo (“as pessoas mais optimistas adoecem menos”), nunca perder a esperança, ser autêntico, aceitar (“porque não há pessoas más, só com alguns desarranjos”), ser determinado, ser verdadeiro, amar o próximo. O momento encerrou com a leitura de um poema, um gesto de gratidão de quem moderou a quem tão generosamente espalhou sementes de ciência e fez de nós pessoas melhores: “(…) É proibido não procurarmos a felicidade / Não vivermos a vida de forma positiva, / Não pensarmos que podemos ser melhores, / Não sentirmos que sem nós este mundo não seria igual.”
[Foto: Alexandre Rodrigues | Ovar/Cultura]
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