CINEMA: “A História de Souleymane” / “L’Histoire de Souleymane”
Realização | Boris Lojkine
Argumento | Delfina Agut, Boris Lojkine
Fotografia | Tristan Galand
Montagem | Xavier Sirven
Interpretação | Abou Sangare, Nina Meurisse, Emmanuel Yovanie, Younoussa Diallo, Keita Diallo, Ghislain Mahan, Mamadou Barry, Yaya Diallo, Karim Bouziane, Amadou Bah, Sory Binta Barry, Thierno Sadou Barry, Nagnouman Touré, Frédéric Faria, Roger Bernard
Produção | Bruno Nahon
França | 2024 | Drama | 93 Minutos | Maiores de 12 Anos
UCI Arrábida 20 - Sala 5
20 Jan 2025 | seg | 16:30
Retrato compassivo de um migrante guineense mergulhado na complexa realidade que pontua as sociedades actuais, “A História de Souleymane” acompanha a vida de um homem, ao longo de 48 horas, na sua rotina diária de estafeta a fazer entregas de refeições ao domicílio, ao mesmo tempo que se prepara ansiosamente para uma entrevista no Departamento de Imigração que poderá ser determinante para o seu futuro. Sem documentos e a trabalhar ilegalmente, o homem vive, como tantos migrantes, numa situação de absoluta precariedade, dependente da volatilidade de um salário sempre baixo, exposto ao risco constante de circular de bicicleta nas movimentadas artérias de Paris e sujeito à falta de escrúpulos de toda uma rede de intermediários que exploram a mão-de-obra barata e a ansiedade em conseguir a tão almejada legalização. Em resumo, o filme acompanha o desespero de quem procura sobreviver num quotidiano feroz e que tem como único momento de prazer o duche quente tomado no albergue após um dia extenuante, mesmo que na presença de um vigilante a controlar o tempo.
O despertador que acorda Souleymane após escassas horas de sono para que possa garantir a próxima noite num beliche do albergue sobrelotado onde dorme, o pedalar furioso pelas ruas da cidade-luz e as mazelas de um acidente num cruzamento, as esperas intermináveis pelas encomendas em restaurantes geridos por patrões racistas e xenófobos ou as corridas desenfreadas para apanhar o último autocarro que o levará ao albergue fora da cidade, são referentes de um quotidiano instável, feito do esforço e da resiliência de um homem que luta, contra todas as probabilidades, por um futuro melhor. Mas se há dureza, insensibilidade, sofrimento, exploração e crueldade, há também esperança, esse contraponto extraordinário onde Souleymane vai buscar motivação e força interior. Grande parte do poder deste filme vem, muito justamente, da interpretação crua e envolvente de Abou Sangare, da credibilidade que entrega à personagem ao longo do filme, na fadiga como na disponibilidade, no desespero como na bondade, na resignação como na simpatia.
Com “A História de Souleymane”, Boris Lojkine oferece-nos um retrato honesto e sem concessões do que é ser migrante. Sem ponta de comiseração ou de sensacionalismo, o olhar do realizador veste-se de humanidade, a câmara sempre muito próxima da personagem, os sons ásperos do quotidiano a vincarem a acção, a narrativa a percorrer os caminhos do real, directa, vívida, pungente. Incapaz de se colocar à margem do drama que corre perante o seu olhar, o espectador encontra em Souleymane a pessoa em detrimento do actor, vivenciando o seu mundo de forma profundamente empática. Na sequência da entrevista, o ponto alto do filme, é difícil conter a emoção perante um testemunho emotivo, ficando nós a torcer para que os decisores possam ser suficientemente sensíveis à verdade das palavras de Souleymane e que a legalização do jovem venha a ser uma realidade. Embora esparsos, os pequenos actos do quotidiano, como a oferta de um café ou de um bombom de chocolate, mostram-nos que o respeito e a compaixão pelo outro existem e são capazes de sobreviver a qualquer construção política. Um filme com muito para oferecer, para ver com atenção.
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