EXPOSIÇÃO: “Offering Cloud of Scattered Genitalia”,
de Devendra Banhart
Curadoria | Philippe Vergne
Museu de Arte Contemporânea de Serralves
21 Nov 2024 > 18 Mai 2025
Músico, poeta e artista visual internacionalmente aclamado, Devendra Banhart é considerado um dos pioneiros dos movimentos freak folk e New Weird America, tendo colaborado com artistas consagrados como Yoko Ono, Caetano Veloso, Beck e outros. Paralelamente a esta carreira bem-sucedida no campo da música, tem uma carreira singular como artista visual, feita essencialmente de desenhos e pinturas, os quais podem agora ser vistos pela primeira vez em Portugal na exposição “Offering Cloud of Scattered Genitalia”. Além de explorar a proximidade entre as expressões musical e visual de Devendra Banhart, a exposição integra também excertos da sua poesia, revelando o universo artístico de Banhart na sua integralidade. Através do desenho, o artista desenvolve um sistema de traços caligráficos/ modernistas, incorporando figuras imaginárias sexualizadas e caricaturais e gestos caligráficos abstratos. As suas séries desenvolvem-se, a cada trabalho, numa lógica de acréscimos, repetições e distorções dentro das restrições autoimpostas e das limitações da superfície do papel e das suas características.
As primeiras obras (do início dos anos 2000) em papel azul ou cor de pêssego exibem uma minúcia caligráfica e simbólica, bem como uma planura hieroglífica. Todas partilham um conjunto muito claro de formas — um vocabulário de figuras e caracteres, desde o padrão repetitivo de um elemento da Coluna Interminável de Constantin Brancusi até à invocação de figuras monstruosas/divinas que lembram relevos de templos maias ou a cultura underground das tatuagens, incorporando elementos como o desgaste natural do papel e a representação de recipientes moldados para acolher o universo. Estes desenhos, ora repletos de uma iconografia semi-mitológica, ora habitados pelo “quase nada”, deixam entrever traços de tinta e marcas simétricas quase imperceptíveis na superfície do papel, como notas musicais perdidas. A exposição contempla a série “Sphinx Interiors” (2014), que capta o ethos de transformação da obra do artista. Este conjunto de 14 desenhos explora a figura mitológica da esfinge, remetendo para épocas e culturas antigas, do Egito à Grécia, da Mesopotâmia às pinturas neoclássicas de Ingres, bem como para o simbolismo de Gustave Moreau, Odilon Redon e Oscar Wilde.
Um mantra consiste numa palavra, num som ou numa frase que se acredita ter um poder espiritual e que é repetido nas orações e na meditação. A repetição ajuda a acalmar a mente e a limpar os pensamentos e a negatividade, com vista a um estado de iluminação. A repetição e variação em série está na base do conjunto de desenhos abstratos saturados de 2014. Nessas obras, a reiteração de um gesto de apagamento e obliteração gera o oposto do vazio e do desaparecimento: um espaço de serenidade gráfica. Essa ação de acrescento, desenho após desenho, é o denominador comum das obras gráficas de Banhart. Sapatos de salto alto, explosões caricaturais de símbolos-líquidos, rostos distorcidos, meio humanos, meio animais, lábios vermelhos, globos oculares salientes, genitais insólitos, pernas e coxas imponentes revestidas de grotescas meias de rede figuram no papel, levam à construção progressiva e constante de uma cacofonia de formas, um teatro alucinado de exultação do corpo.
No extremo oposto, as aguarelas recentes de Banhart (2024) são tão abstratas e caligráficas quanto possível, embora continuem a seguir uma lógica de acrescento estrutural, articulando-se em torno de um conjunto definido de marcas coloridas aquosas, linhas em ziguezague, linhas diagonais, pontos e salpicos em forma de estrela em expansão. Estas obras partilham uma familiaridade estética com algumas das linhas mais caligráficas de Joan Miró — linhas por vezes pouco visíveis ou pouco presentes que sugerem uma atitude filosófica de “não- -intervenção” consciente ou, pelo menos, de intervenção mínima e sem esforço, embora com uma intenção. No campo eclético visual que sustenta as obras visuais de Banhart, a atenção plena pode ser o elemento de ligação — uma concepção que combina elementos de espiritualidade, humor, desejo, anseio, luxúria e amor, sensações negativas e positivas, a vontade de dar e receber, de partilhar, de magoar e agradar e, em última análise, de atingir o estado de consciência incongruente e em conflito que caracteriza “Offering Cloud of Scattered Genitalia”.
[Extraído do Roteiro da Exposição, de Philippe Vergne, o qual pode ser lido na íntegra em https://cdn.bndlyr.com/nsa343pdfl/_assets/2411_devendrabanhart_roteiro_v2_site.pdf]
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