CINEMA: “O Quarto ao Lado” / “The Room Next Door”
Realização | Pedro Almodóvar
Argumento | Pedro Almodóvar
Fotografia | Eduard Grau
Montagem | Teresa Font
Interpretação | Julianne Moore, Tilda Swinton, John Turturro, Alessandro Nivola, Juan Diego Botto, Raúl Arévalo, Victoria Luengo, Alex Høgh Andersen, Esther McGregor, Alvise Rigo, Melina Matthews, Sarah Demeestere, Anh Duong, Bobbi Salvar Menuez, Annika Wahlsten
Produção | Agustín Almodóvar
Espanha, Estados Unidos | 2024 | Drama | 107 Minutos | Maiores de 12 Anos
Shortcutz Ovar #90 - Noite Longa
Centro de Artes de Ovar
05 Dez 2024 | qui | 21:30
Primeiro filme de Pedro Almodóvar rodado em inglês, “O Quarto ao Lado” regressou do Festival de Veneza com o Leão de Ouro para Melhor Filme e perfila-se como um dos grandes candidatos aos Prémios Europeus de Cinema que, esta noite, decorrerão na cidade Suíça de Lucerna. Foi esta a prenda que o Município de Ovar quis colocar no sapatinho dos cinéfilos cá do burgo, oferecendo-lhes uma “curta-metragem” com quase duas horas, ou não fosse esta uma noite Shortcutz, a última do ano, com apresentação de Tiago Alves e comentários de Júlio Machado Vaz. Passado em Nova Iorque, o filme narra a história de Martha, renomada repórter de guerra, e Ingrid, uma bem sucedida escritora, duas amigas que se reencontram de forma casual após um longo período de afastamento. Em fase terminal de um cancro no colo do útero, já com metástases ósseas e no fígado, Martha percebe que a eutanásia é a única forma de vencer a doença e socorre-se da amiga, não para a assistir em tão tremenda decisão, mas para estar próximo dela quando decidir morrer, “no quarto ao lado”, por exemplo. Está dado o mote para um filme que se debruça sobre um tema delicado e controverso, mas de extraordinária actualidade.
Profundo, delicado, comovente e vivo, “O Quarto ao Lado” “não é sobre a morte, mas sobre o acto de morrer”, como referiu Tilda Swinton durante a Conferência de Imprensa após a exibição do filme em Veneza. Nele não encontramos qualquer subtexto que examine filosoficamente questões como a vida após a morte ou as consequências da existência da morte no cosmos. Em vez disso, o que o filme consegue é manter uma conversa lógica e promover uma reflexão realista sobre como cada um de nós se posiciona perante a morte numa situação de sofrimento físico insuportável e como agiria se lhe fosse dada a possibilidade de tomar uma decisão consciente e livre sobre o que fazer e como fazer no contexto desse último acto. Desenvolvendo um argumento baseado em “What Are You Going Through”, romance de 2020 da norte-americana Sigrid Nunez, Almodóvar faz com que um tema particularmente denso e pesado se inscreva com naturalidade no nosso quotidiano, quase que sugerindo que a morte importa, na exacta medida em que importam os estudos ou o casamento, um novo emprego ou o nascimento de um filho, e que o acto de morrer deve ser visto com a idêntica emoção ou o mesmo (des)apego.
Apesar dos diálogos em inglês colocarem uma nota de estranheza num filme de Almodóvar, o universo do realizador está presente em cada momento do filme - no detalhe rigoroso dos cenários (espantoso aquele quadro imenso das flores num copo de vidro em casa de Martha), no harmonioso tratamento da cor (onde é notória uma piscadela de olho ao universo solitário de Edward Hopper), numa banda sonora particularmente envolvente. Sobretudo na direcção das duas figuras principais, Tilda Swinton e Julianne Moore, com interpretações magistrais capazes de imprimir, com igual verdade, o que há de dureza e leveza no mais íntimo das suas vidas. Num tema de difícil gestão emocional, são elas o garante da humanidade que envolve “O Quarto ao Lado”, algo que ficou bem patente nos longos momentos de absoluto silêncio durante a passagem do genérico final, o público aceitando os braços que se abrem para o estreitar, em vez do previsível e doloroso “murro no estômago”. Um filme que não se esgota na sua visualização e que reforça o debate sobre um assunto que promete continuar a dar que falar (a lei da eutanásia foi promulgada em Maio de 2023, mas continua a aguardar-se a publicação da regulamentação em Diário da República).
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