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quarta-feira, 17 de julho de 2024

CONCERTO: “Pítia – Vasos de carne, palavras do Céu” | Ensemble Irini



CONCERTO: “Pítia – Vasos de carne, palavras do Céu”
Ensemble Irini
Direcção musical | Lila Hajosi
Com | Lila Hajosi (mezzo-soprano), Laura Lopes (mezzo-soprano), Julie Azoulay (contralto), Olivier Merlin (tenor), Jean-Marc Vié (baixo), Sébastien Brohier (baixo)
Co-produção | Festival Jordi Savall
Cistermusica – 32º Festival de Música de Alcobaça 2024
Mosteiro de Alcobaça – Refeitório
14 Jul 2024 | dom | 18:00


A culminar um fim-de-semana repleto da melhor música, o Ensemble Irini trouxe ao Cistermusica a sonoridade distinta de um coro polifónico, abrindo “diálogos entre o sagrado Oriente e Ocidente, entre a sabedoria de ontem e as convulsões de hoje, fiel ao seu nome que significa ‘Paz’ em grego.” Reconhecido internacionalmente pelos seus elevados padrões e pelas propostas únicas, extraordinárias e ousadas, o ensemble fez incidir o programa em excertos das “Profecias das Sibilas (Prophetiae Sybillarum)”, pondo em perspectiva a música de Roland de Lassus (1532 – 1594) com algumas das mais significativas peças do repertório bizantino. Koukouzélis, São Nectário de Egina, a Divina Liturgia de São João Crisóstomo (“Cheruvikon”), Excerto do Acatisto à Mãe de Deus e os Salmos 134-135 da Liturgia de Constantinopla, para além dos já referidos excertos da “Profecia das Sibilas”, constituíram momentos de forte e intensa espiritualidade, marcados de forma singular pela beleza e harmonia das vozes do ensemble e pela energia apaixonada de Lila Hajosi, a sua directora musical.

É no Refeitório, a última sala medieval das dependências do Mosteiro de Alcobaça que tem lugar o concerto. Abóbadas de arestas e colunas de capitéis decorados com motivos vegetalistas preenchem um espaço simples e austero, dominado pelo Púlpito do Leitor, uma das mais belas peças arquitectónicas de todo o conjunto. Em palco, o Ensemble Irini começa por nos oferecer “Audi benigna conditor”, um Hino de celebração da Quaresma que mergulha os presentes num êxtase difícil de descrever. Suportadas pelas vozes masculinas, Laura Lopes e Julie Azoulay encetam um diálogo melódico rico de nuances: de um lado a limpidez do timbre da mezzo-soprano portuguesa, do outro, a voz da contralto francesa a arrebatar-nos, fazendo-nos viajar por paragens do Oriente. A música sobe e preenche o espaço com uma forte respiração, expandindo e contraindo-se como que a querer reforçar a beleza das palavras ditas - “Escuta, ó bondoso Criador, / a nossa oração com as nossas lágrimas, / que em sacrifício Te oferecemos / no tempo abençoado desta Quaresma.”

Sacerdotisas dos templos de Delfos e de Cuma, profetisas do mundo antigo e arautos dos conselhos dos deuses, as doze Sibilas fascinaram Roland de Lassus com as suas figuras oníricas e evocadoras de lugares maravilhosos e longínquos (Sibila Pérsica, Líbica, Cumana, Helespontíaca, Délfica…). São elas que voltam a encantar com os seus cantos delicados, que nos mergulham num transe harmonioso e enigmático. No seu cantar, a enorme riqueza cromática reveste uma música plena de significados, convidando a visitar lugares de mistério e despojamento, numa viagem sensorial única e irrepetível. “Cheruvikon” é mais um momento de graça, o olhar a voltar-se para o alto nesse desejo de apaziguamento de todas as dúvidas e medos. “Polyeleos”, peça de enorme importância da liturgia bizantina, foi o culminar perfeito de um momento único. A alegria vibrante que se desprende daquela sequência de “aleluias” tocou cada célula do nosso corpo e deu a ver a marcação dos ritmos do mundo: das eras geológicas à força das marés, das idades do Homem ao bater cadenciado dos nossos próprios corações.

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