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sábado, 25 de maio de 2024

EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: "Despojos de Guerra"



EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: “Despojos de Guerra”,
de Leonel de Castro
Curadoria | NARATIVA / Mário Cruz
Centro Português de Fotografia
20 Abr > 20 Out 2024


Angola, 1961. Na madrugada de 4 de Fevereiro, guerrilheiros africanos atacam, em Luanda, a casa de reclusão militar, a cadeia administrativa de São Paulo e o Quartel da Companhia Móvel da Polícia de Segurança Pública. De Conacry, o Movimento Popular de Libertação de Angola, de Mário Pinto de Andrade e Viriato Cruzii, reivindica a autoria do ataque. Salazar responde com o envio de tropas para o Ultramar, “imediatamente e em força”, rejeitando toda e qualquer negociação, mesmo que Portugal se encontrasse “orgulhosamente só” a partir desse momento. Travada em três frentes - Angola, Moçambique e Guiné - ao longo de treze anos, a Guerra Colonial delapidará as finanças do Estado português, provocará dissensões no seio do próprio Governo, desgastará o moral das Forças Armadas, retirará braços à produção em Portugal e provocará o isolamento do país na arena diplomática mundial. O seu balanço em termos humanos é trágico: mobilização de cerca de um milhão e quatrocentos mil homens, aproximadamente nove mil mortos e trinta mil feridos e ainda cento e quarenta mil ex-combatentes sofrendo de distúrbio pós-traumático do stress de guerra.

Expostas nas paredes, estão as imagens de deficientes militares, homens então rapazes que a ditadura escondia mais do que os caixões cobertos com a bandeira nacional, porque nestes via a potencial perturbação de uma paz pública forjada de mentiras e silêncios. Manuel Ferreira, João Simão, António Pereira Neves, João Adão Neto, Silvério Jorge Rodrigues, Abel Fortuna, Armando Alves, Sá Flores, Sene Candé Bebanda, Lama Baldé, Abdu Indjai, João Manhula, Salvador Filomone, Jonas Ofisso Mate. Sanza Pombo, Nóqui, Kanacassala, Lumege, Cacuso, Gabú, Bambadinca, Catesse, Cacheu, Metangula, Mueda, Vuende, Moatise, Pemba, Nambude. Os nomes dos militares e os dos locais onde os episódios de guerra ocorreram cruzam-se em trágicas memórias. É em busca dos espaços da guerra, de outros vestígios, de outros despojos ocultados pelo tempo ou pelo mato, que Leonel de Castro parte e nos dá a ver numa mostra de enorme significado e alcance.

Ensaio de fotografia documental e, também, de recolha memorialística, “Despojos de Guerra” nasceu com os deficientes das Forças Armadas portuguesas, em particular com deficientes profundos. É um trabalho que não se esgota na guerra ela mesma, mas busca histórias de resistência e superação dos jovens soldados daquele tempo, que tiveram de lutar para a sociedade os aceitar como os homens inteiros que são. Também é um projeto que não se esgota em Portugal. Cruzando as picadas, entrando no mato e sabendo para onde olhar, é possível, em África, viajar no tempo, tantos são os testemunhos, vivos e silenciosos, do conflito. É o outro lado, menos conhecido por cá, dos que combateram pelos movimentos independentistas, em Angola, em Moçambique e na Guiné-Bissau, mas também dos africanos que integraram o Exército português. As marcas indeléveis nos corpos de homens e mulheres que, ainda crianças, pegaram em armas pela FNLA, na região angolana dos Dembos, pelo MPLA em Cabo Delgado, Niassa e Tete e igualmente nos que combateram pelo PAIGC na Guiné-Bissau. Esses são os que falam, com a voz ou com o olhar. O silêncio é dos espaços. Dos cemitérios onde foram sepultados militares portugueses, hoje ao abandono, dos sítios onde a metralha zurziu vidas de todas as cores, das prisões do salazarismo, das memórias caladas. Um silêncio de morte. De muitos milhares de mortes.

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