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sexta-feira, 3 de maio de 2024

CINEMA: Shortcutz Ovar Sessão #82



CINEMA: Shortcutz Ovar Sessão #82
Apresentação | Tiago Alves
Com | Guilherme Daniel, Marta Monteiro e Luís Campos
Escola de Artes e Ofícios
150 Minutos | Maiores de 14 anos
02 Mai 2024 | qui | 21:30


Parte integrante do ciclo de comemorações dos 50 anos do 25 de Abril, a mais recente sessão do  Shortcutz Ovar teve um cunho vincadamente político, reflectindo sobre direitos e valores fundamentais enquanto alicerces da vida democrática. No habitual espaço da Escola de Artes e Ofícios, o público foi brindado com três curtas-metragens - duas ficções de imagem real e uma de imagem animada -, abordando temas como a repressão política, a violência doméstica e os fenómenos migratórios. Baseado no testemunho do escritor Alexander Solzhenitsyn sobre um comício do Partido Comunista durante o Estalinismo, Guilherme Daniel apresentou “Aplauso”, um filme que evoca a ditadura do Estado Novo e que é feito das palmas de quem olha e de quem sabe que está a ser olhado, palmas incomodadas de quem sente que alimenta a farsa, palmas até à exaustão pelas consequências que poderão advir do deixar de bater palmas. De forma inteligente e eficaz, o realizador explora a violência psicológica inerente à acção, trazendo o público para o interior do filme e obrigando-o a viver a provocação e o desconforto que “Aplauso” suscita.

“Sopa Fria”, filme de animação de Marta Monteiro, conta a história de uma mulher vítima de violência doméstica e dos esforços de uma vida para se libertar do agressor. Inspirado num caso real, o filme adquire uma enorme força graças à narrativa na primeira pessoa mas também pela qualidade da animação, muito simples no seu traço estilizado, quase caricatural, mas suficientemente expressivo para colher a cumplicidade do espectador (incrível a sequência da fotografia do casamento a deixar-se inundar, a tentativa desesperada da mulher para subir à superfície e a atitude do homem que insiste em puxá-la para baixo). Com uma paleta de cores reduzida, o cenário vai oferecendo um conjunto de elementos visuais cujo simbolismo remete para a dificuldade ou receio das vítimas em escapar ao pesadelo em que estão mergulhadas. A casa não é mais um lugar seguro, antes concentracionário e opressivo, e a água funciona metaforicamente como a violência que submerge as vítimas. A sopa (fria) virá no final, rematando de forma brilhante esta verdadeira pérola da animação.

Para o final, os programadores reservaram “Monte Clérigo”, um filme de Luís Campos que aborda questões ligadas ao fenómeno das comunidades de migrantes no Sudoeste Alentejano e à forma como impacta na vida das populações dos concelhos de Odemira e Aljezur. A dimensão social, económica e política do problema é abordada pelo realizador de forma subtil, pedindo-nos que atentemos naquele particular território com os olhos de quem lá vive e trabalha. Com as estufas de agricultura intensiva a tomarem conta do horizonte, é o desenraizamento, a precariedade das condições de vida, as diferenças culturais e a ineficácia dos mecanismos sociais de integração e coesão que vêm ao de cima, a par das reservas com que os migrantes são olhados pela população local. Tudo isto é posto em perspectiva pelo olhar profundamente humanista de Luís Campos, abrindo espaço a uma realidade que não cabe nos vinte e sete minutos de duração do filme. Um belo final de mais uma sessão que não se esgota no visionamento das três obras apresentadas, antes convida a aturado “trabalho de casa”.

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