EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: “The Way to the High Mountain”,
de Eldad Rafaeli
Curadoria | Ângela Ferreira
Centro Português de Fotografia
02 Mar > 23 Jun 2024
“Se realmente quiser conhecer o Eldad, tem de viajar até ao Grande Além, um mundo que nunca se vê. Uma antítese deste lugar pálido que chamamos de “nosso mundo”. O mundo do Eldad é um lugar onde a Noite reina supremamente, onde encontrarás fantasmas, demónios, arrependimentos e auto-acusação. Neste mundo, a emoção voa como uma águia escura gigante, vendo tudo abaixo numa obscuridade cheia de almas atormentadas. Esta escuridão que se torna o lugar dos maiores medos da humanidade, entrelaçada pelos nossos mais profundos horrores, torna-se a origem da consciência e o nexo da nossa batalha imortal com o destino. Para os fotógrafos, o técnico e o metafórico fundem-se. Luz e escuridão tornam-se o meio com que lutam ao explorar e transformar o conflito primordial em arte.”
Gilles Peress
Nascido em 1964, Eldad Rafaeli foi correspondente, durante quase duas décadas, entre 1991 e 2010, de vários meios de comunicação internacionais, nomeadamente o Libération, a Newsweek e Yedioth Ahronot. Foi um início de carreira marcado pelo fotojornalismo, com sucessivas (e premiadas) reportagens em zonas de conflito. Foi também durante esse período que fundou e dirigiu o Festival Internacional de Fotografia de Israel, assinou a curadoria de vários projetos na área da Fotografia e começou a explorar outros campos da imagem, desenvolvendo um diário pessoal, subjectivo e poético, ponto de convergência entre a intimidade e a crítica social. É com estes pergaminhos que o fotógrafo chega pela primeira vez ao nosso país, mostrando no Centro Português de Fotografia “The Way to the High Mountain”, obra seminal de uma trajetória artística de quase quarenta anos, que oferece ao visitante um retrato impactante da complexidade das narrativas humanas, permeado por uma tensão dialéctica entre a vida e a morte.
A ampla sala onde se encontram expostas as fotografias de Eldad Rafaeli está tomada por um conjunto de sons imprecisos, estridentes, perturbadores. É a “banda sonora” que acompanha a projecção de um vasto conjunto de imagens, mescla das dinâmica do fotojornalismo e da disponibilidade do autor em “escavar” outros territórios, desiguais mas não necessariamente divergentes entre si. Ante o nosso olhar desfilam eventos de protesto, marchas, funerais, lançamentos de pedras, tiroteios. As pessoas são o foco principal: os rostos tensos, os braços estendidos, a coesão dos grupos, os movimentos coordenados. Do interior da turbulência e da comoção, Rafaeli isola e congela um conjunto de poderosas evidências daquilo que é o conflito israelo-palestiniano na Terra Santa. Não menos perturbadoras são as paisagens, quilómetros e quilómetros de terra queimada, campos com restos de vegetação e animais, zonas tampão cercadas, postos de observação que se estendem a perder de vista. Cada imagem é a evidência de uma história trágica que se repete continuamente, uma arena abandonada onde são claros os indícios de um drama sem fim à vista.
Passando da sequência de imagens para os trabalhos expostos nas paredes da galeria ou em enormes suportes dispostos no seu centro, torna-se claro o convite a que atentemos no detalhe, uma vez que há na fotografia de Eldad Rafaeli mais do que aquilo que vemos. A relação entre a luz e a escuridão em torno de diferentes áreas nas fotografias muda-as de um lugar bi-dimensional no tempo para uma poderosa representação tridimensional. Rafaeli utiliza uma luz discreta nas suas imagens, obrigando-nos a atentar naquilo que se abriga nos lugares mais esconsos. Observando cuidadosamente, aproximamo-nos das preocupações mais profundas do fotógrafo, da tensão que envolve o estado em que vivemos, desse lugar sem fronteiras nem limites. Como refere o próprio Eldad Rafaeli, “esta exposição trata da intimidade, em quatro capítulos: Intimidade com uma mulher amada, com uma paisagem e intimidade tal como se confronta com a multidão e com a morte. Esta abordagem exposta à vida, à alma e à fotografia, requer uma coragem para tocar em lugares dolorosos e difíceis, para oferecer uma interpretação directa e poética que nos permita lidar destemidamente com a nossa própria dor.”
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