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sexta-feira, 1 de março de 2024

EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: "As Mulheres de Maria Lamas"


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EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: “As Mulheres de Maria Lamas”
Curadoria | Jorge Calado
Átrio da Biblioteca de Arte Gulbenkian
26 Jan > 28 Mai 2024


“Jovem mãe da Castanheira, Serra da Estrela. Tem 21 anos e este é o seu primeiro filho. O marido é caseiro, filho de caseiros; ela própria nasceu na serra e trabalha na lavoura desde pequenina. A maneira de pôr o xaile e de segurar com ele a criança é característica, não só daquela região, mas de quase todas as aldeias portuguesas. Também o lenço solto, sobre a cabeça, com as pontas atiradas para trás, é uma nota muito típica do vestuário das camponesas, nos momentos de folga. A casa que se vê ao fundo – a única, naquelas redondezas, que não é coberta de colmo, mas sim de zinco – destinava-se a posto de ensino, mas é actualmente utilizada como celeiro porque o posto fechou, por falta de frequência. Esta fotografia, feita no tempo das colheitas, reproduz o ambiente das eiras, com os montes de palha de centeio, que ficaram depois das malhas.”

Maria Lamas (1893 – 1983) foi uma combatente e uma lutadora resistente, que entrou na História como cidadã e que escreveu História como autora. Jornalista e escritora, pedagoga e investigadora, tradutora e fotógrafa, lutadora pelos direitos humanos e cívicos em tempos de ditadura, foi porventura a mais notável mulher portuguesa no século XX. O bem e a verdade, a igualdade e a felicidade, a liberdade e a justiça, a fraternidade, são valores pelos quais lutou abnegadamente. Humanista convicta, almejou uma sociedade mais justa, uma democracia plena, “uma política humana”. Militou civicamente e convictamente pela igualdade das mulheres, igualdade que defendia baseada na educação e na independência económica, através do exercício de uma profissão ou de um ofício. Escreveu poemas, crónicas, novelas, folhetins, recensões, romances e reportagens, nomeadamente “As Mulheres do Meu País” (1947-1950), documentário essencial dedicado “a todas as mulheres portuguesas” e obtido no convívio de Maria Lamas com mulheres de todas os estratos sociais nos anos 40.

Marco monumental do jornalismo e da literatura portugueses do século XX, “As Mulheres do Meu País” serve de tema e inspiração para a mostra patente no átrio da Biblioteca de Arte Gulbenkian – 149 fotografias do livro, mais de um quarto do total, são de sua autoria. O foco da presente exposição é, pois, a obra fotográfica de Maria Lamas, limitada mas notável. Nela se apresenta uma selecção de 65 imagens em provas de gelatina e prata, maioritariamente de pequenas dimensões, mas também algumas ampliações. Além destas, são expostas provas da época incluídas na obra “As Mulheres do Meu País” da autoria de Adelino Lyon de Castro, Firmino Santos, Artur Pastor, Maria T. Mendonça, Júlio Vidal e Casa Alvão, sendo ainda apresentados alguns objectos pessoais de Maria Lamas, bem como o seu retrato pintado por Júlio Pomar em 1954 e o busto em gesso esculpido, em 1929, por Júlio de Sousa. A secção destinada à sua obra literária e jornalística inclui exemplares de primeiras edições dos livros fundamentais, literatura infantil, poesia e ficção, traduções e algum jornalismo.

“Como fotógrafa, Maria Lamas oscila entre o trabalho taxonómico “O Homem (também a Mulher) do Século XX”, de August Sander, e o projecto do “New Deal” americano da Farm Security Administration. Se este gerou a “Mãe Migrante” de Dorothea Lange, Lamas deu-nos a “Jovem Mãe da Castanheira” e a “Velha Camponesa de Folgosinho”. As suas fotografias são directas, seguras e autênticas (como o trabalho que representam); vêm também arredadas de qualquer pretensão estética. Objectivas, no seu melhor! Aqui, o decisivo não é o instante, mas a mulher em acção, dona do seu corpo e dominando o seu instrumento de trabalho. Quanto às legendas, longas e detalhadas – o drama escondido por detrás da imagem – aproximam-na também da fotografia neo-realista americana”, diz o curador da exposição, Jorge Calado. É desta mulher extraordinária – que nunca usara uma máquina fotográfica… - que podemos ver a sua primeira exposição individual. Quase a celebrarmos meio século de liberdade, esta é uma exposição que assinala os 75 anos do início da publicação de “As Mulheres do Meu País” e que representa, em si mesma, uma justíssima homenagem a Maria Lamas.

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