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domingo, 10 de março de 2024

DANÇA: "ÔSS"



DANÇA: “ÔSS”
Direcção artística | Henrique Amoedo
Coreografia | Marlene Monteiro Freitas
Figurinos | Marlene Monteiro Freitas
Performance | Bárbara Matos, Bernardo Graça, Joana Caetano, Maria João Pereira, Mariana Tembe, Milton Branco, Rui João Costa, Sara Rebolo, Telmo Ferreira
Produção | Dançando com a Diferença, P.OR.K
80 Minutos | Maiores de 6 anos
Rivoli - Grande Auditório
09 Mar 2024 | sab | 19:30


“Construir um esqueleto forte, onde um pé tem a função de cérebro, o coração serve de cotovelo e os joelhos são um fígado e uma orelha, ser-nos-á naturalmente possível já que, entre duro e mole, no final, pouco importará. As partes deste compósito e seu posterior destino, serão tratados em leilão.” As palavras da coreógrafa Marlene Monteiro Freitas não deixam margem para dúvidas. “ÔSS”, do colectivo “Dançando com a Diferença”, será aquilo que cada um quiser que seja. Tenda de circo ou praça de touros, coberta de navio ou campo de batalha, é um objecto desconcertante, imaginativo, mordaz, jocoso, trocista, avesso a convenções, colorido, vivo. Tão vivo como esse “ôss” - “osso”, em crioulo -, “guardador e revelador de segredos milenares, guardião de orientações anatómicas, caixa estruturante de partes moles e frágeis.” Ou como o “ôss” que abraça os praticantes de karaté, expressão polissémica que, “na sua origem, condensa ideias como pressionar, empurrar, suportar, tolerar.”

Em “ÔSS”, o palco é um mundo onde se marcam fronteiras e cavam trincheiras, se esbatem diferenças e desatam nós, se contornam medos e libertam amarras, se choram os mortos e celebra a vida. Um mundo feito de barras e grades, de caixas e plintos, geografias precisas que na sua ordem castradora, no que implicam e impõem, se afirmam como elementos repressivos e punitivos que importa contrariar. Obedecendo a uma geometria linear, os corpos obrigam-se a movimentos rígidos e precisos, no depositar de um lençol sobre uma cama como no transportar de uma bacia, ninho onde um corpo se abriga. O espectáculo cresce do visual para o performativo ao longo de uma sucessão de quadros fortemente impressivos, acompanhados por uma banda sonora onde cabem a música operática e os ritmos africanos, a música techno e um “hit” de Rihanna. Da ordem ao caos vai o tempo da peça.

Os espectadores estão ainda a chegar aos seus lugares e já o palco se agita com a animação de um DJ de serviço. É clara a intenção de pôr o público à prova desde o início, de ganhar a sua atenção, de lhe pedir que decifre as situações contrastantes que está prestes a viver. Na sua singularidade, os dançarinos assumem as suas personagens com um rigor e um empenho exemplares. É tocante a forma como, individualmente, concorrem para a criação de um corpo de dança enigmático e de grande complexidade, capaz de despertar no espectador as mais díspares emoções. São eles que dão forma ao imaginário coreográfico de Marlene Monteiro Freitas, seres instáveis por natureza, em metamorfose constante, capazes de passar do polícia ao ginasta, do militar ao camareiro, num piscar de olho. Ficará para sempre na memória a interpretação desse clássico intemporal de Gershwin, “The Man I Love”, na voz de Maria João Pereira. Como ficarão as passadas marciais de Mariana Tembe, a gaiatice de Sara Rebolo, a mímica da Bárbara Matos. A energia e cumplicidade do conjunto.

[Foto: © Laurent Philippe | https://www.teatromunicipaldoporto.pt/]

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