CINEMA: “Culpado – Inocente – Monstro” / “Kaibutsu”
Realização | Hirokazu Kore-eda
Argumento | Yûji Sakamoto
Fotografia | Ryûto Kondô
Montagem | Hirokazu Kore-eda
Interpretação | Sakura Andô, Eita Nagayama, Soya Kurokawa, Hinata Hiiragi, Mitsuki Takahata, Akihiro Kakuta, Shidô Nakamura, Yûko Tanaka
Produção | Megumi Banse, Minami Ichikawa, Taichi Itô, Ryo Ota, Hijiri Taguchi, Kiyoshi Taguchi, Hajime Ushioda, Kenji Yamada, Tatsumi Yoda
Japão | 2023 | Drama, Thriller | 127 Minutos | Maiores de 12 anos
UCI Arrábida 20 – Sala 3
20 Mar 2024 | qua | 13:30
A forma como absorvemos tudo o que nos rodeia, a influência que os estímulos externos têm no nosso comportamento e na tomada de decisões, a facilidade com que aceitamos a verdade daquilo que nos é mostrado ou dito ou a maneira como passamos essa informação aos outros será, naquilo que tem de mais imediato, um dos grandes assuntos deste filme. Muitas das nossas “verdades” têm a sua origem em rumores, estereótipos e doutrinas, novas tendências e estilos, em sistemas complexos de crenças baseadas no “diz que disse”, e é disto que fala “Culpado – Inocente - Monstro”, o mais recente filme de Hirokazu Kore-eda. Colocando a tónica na forma como as reacções mais negativas podem ser determinadas por percepções erróneas, o realizador coloca no centro da história Minato, um adolescente cujo comportamento é fonte de apreensão e desagrado junto da sua mãe, a viúva Saori. Procurando saber se há algo de errado com o filho no seio da escola, Saori percebe que a estranheza dos comportamentos não é exclusiva de Minato.
O argumento de Yûji Sakamoto é um “puzzle” inteligente, dispondo a história em camadas que ampliam a dimensão do drama e abrem espaço para que seja possível isolar o que de monstro existe em cada uma das personagens. Intrigante, denso e envolvente, o filme mostra, na sua espessura, um conjunto de sentimentos intimamente ligados à individualidade da pessoa, naquilo que tem de auto-afirmação mas também de desejo, em muitos casos reprimido. Todos os protagonistas centrais desta história têm a sua própria verdade, cabendo ao espectador fazer a destrinça entre o que é certo ou errado, o que se adequa ou o que foge à norma. As alterações de perspectiva que Kore-eda introduz ao longo do filme levam o espectador a pôr em causa a sua própria verdade, atendendo a questões como o preconceito ou os juízos precipitados. Mergulhados no ambiente do thriller, não deixaremos de nos surpreender com o quanto de mentiras e mal-entendidos podem abrigar-se numa trama complexa e que justificam as atitudes e comportamentos mais díspares.
Essencialmente, este é um filme sobre a relação que dois adolescentes estabelecem entre si, a amizade como uma espécie de escudo protector contra um ambiente profundamente hostil, na escola como no seio familiar. Sensível sem ser lamechas, Kore-eda junta à delicadeza do seu olhar a frontalidade e a dureza, tal como nos seus dois filmes anteriores, “Shoplifters” e “Broker - Intermediários”. As convenções sociais e a própria cultura nipónica estão igualmente muito presentes neste filme ao percebermos o quanto de pernicioso pode abrigar-se nos costumes conformistas de um Japão mergulhado nos valores tradicionais, em que a norma é o bem maior e tudo o que sai fora do padrão deve ser liminarmente rejeitado. “Inocente - Culpado - Monstro” conquistou em Cannes o prémio para o melhor argumento e Hirokazu Kore-eda dedicou o filme ao compositor Ryûichi Sakamoto, que assina aqui a sua última banda sonora. O que pode haver de humano num monstro (ou de monstro num ser humano) eis a questão.
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