TEATRO: “Pêndulo”
Criação e encenação | Marco Martins
Texto | Marco Martins, com o contributo do elenco e de Djaimilia Pereira de Almeida
Cenografia | Fala Atelier
Movimento | Vânia Rovisco
Música | Tia Maria Produções
Interpretação | Elane Galacho, Emanuelle Bezerra, Fabi Lima, Juliana Teodoro Alves, Maria Gustavo, Maria Yaya Rodrigues Correia, Nádia Fabrici
Produção | Arena Ensemble
100 Minutos | Maiores de 12 Anos
Teatro Campo Alegre
03 Fev 2024 | sab | 19:30
Depois de “Provisional Figures” e “Selvagem”, volto a cruzar-me com o teatro de Marco Martins e com esse extraordinário trabalho que vem fazendo com não actores, ao encontro da sua forma, tão bela e tão crua, de nos fazer olhar em volta e perceber que esta vida, para muitos, é tudo menos um mar de rosas. “Pêndulo” conta-nos, de viva voz, a história de Juliana Teodoro Alves, Maria Yaya Rodrigues Correia, Emanuelle Bezerra, Maria Gustavo, Fabiana Lima, Nádia Fabrici e Elane Galacho. Provenientes do Brasil, Angola, Moçambique, S. Tomé e Príncipe e Cabo Verde, são todas elas mulheres cuidadoras e empregadas, que passam a vida em movimento pendular entre a periferia e o centro da capital portuguesa, entre a sua casa e a de quem as emprega, entre o país de origem e o de destino, Portugal. Sete mulheres imigrantes que, com as suas histórias, levantam questões sobre o modo como se relacionam com as famílias para quem trabalham, se essa relação as afeta ou não, como se relaciona um país com os imigrantes que acolhe.
Abrir o palco a estas mulheres é levar o espectador ao encontro das suas histórias de vida, das expectativas frustradas, dos sonhos apagados, da distância da família, dos quotidianos mergulhados na rotina, da exaustão ao final de cada turno, do futuro incerto, das ameaças à sua condição de mulher e imigrante. Tudo começa num supermercado onde estas mulheres são empregadas de limpeza. É lá que, entre um trabalho que exige a não interferência com os clientes e as breves pausas para comer algo trazido de casa, elas se vão apresentando. Ficaremos a saber que ser trabalhadora doméstica ou cuidadora de idosos é algo que as une a todas. Da boca de Elane escutamos os vários trabalhos que teve no Brasil - de cuidadora do pai em fase terminal a guarda prisional -, antes de os filhos serem maiores e ter condições para tentar dar um novo rumo à sua vida em Portugal. Já Juliana, nascida em Moçambique, vai falando dos tempos passados num orfanato de holandeses e italianos onde aprendeu latim e, depois, o contar de uma história doce no momento em que um idoso ao seu cuidado está prestes a deixar este mundo.
Com um dispositivo cénico bastante simples, “Pêndulo” retira a sua força da verdade dos testemunhos e da legitimidade dos anseios destas mulheres. Não é inocente o nome “Europa” que é dado a este supermercado, símbolo maior da precariedade e da exploração, eixo orientador das várias narrativas. Como não é inocente a escolha destas actrizes e não outras: Há aqui quem tenha mestrados e não consiga melhor do que ser cuidadora em “part-time”, há quem festeje a entrada de um filho nas escolas do Bolshoi enquanto varre um chão, como há quem chegue a Lisboa e nem tempo tenha de “aterrar”, levada para trabalhar directamente do aeroporto, “com horas de entrada, mas sem horas de saída”. Ter apenas a escola primária ou estar a tirar um mestrado, ter ou não experiência profissional, acaba por ser indiferente. Importa colocar estas mulheres imigrantes na sombra, afastá-las de tudo, torná-las invisíveis. Libelo acusatório de uma sociedade neoliberal onde o dinheiro e o poder são fins que justificam todos os meios, “Pêndulo” é verdade que mói e é ferida que dói. É necessário e é urgente.
Sem comentários:
Enviar um comentário