EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: “Dançando com a Minha Câmara”,
de Dayanita Singh
Curadoria | Inês Grosso, Filipa Loureiro
Museu de Serralves
17 Nov 2023 > 03 Mar 2024
O trabalho que Dayanita Singh desenvolveu ao longo de quatro décadas distingue-se por uma abordagem à fotografia que desafia os vários géneros do meio, estimulando constantemente os seus limites. “Dançando com a Minha Câmara”, a mais importante exposição dedicada à artista até à data, abrange a totalidade da sua obra, desde o primeiro projeto fotográfico centrado no universo musical do percussionista Zakir Hussain, até aos trabalhos mais recentes, entre os quais “Veremos”, de 2021, inspirado no formato da prova de contacto. Esta exposição patente agora no Museu de Serralves é um testemunho da originalidade relativamente à forma que define o trabalho de Singh, destacando também a visão singular da artista em relação a temas como o arquivo, o desaparecimento, a música, a dança, a arquitetura, o género e a amizade. Através de um processo de edição singular que privilegia a intuição, a artista recorre a imagens dos seus arquivos que depois combina e reinterpreta, dando origem a composições temporárias onde se cruzam fluidamente vários períodos, lugares, figuras, arquiteturas, objetos e motivos.
Singh é particularmente reconhecida pelos livros, que constituem uma parte essencial da sua prática. Considera-os espaços de exposição por direito próprio. Neste contexto, experimenta diferentes formas de apresentação fotográfica motivada pelo seu interesse na capacidade de circulação do livro no tempo e no espaço, e na relação privilegiada e íntima que estabelece com o leitor. Desde 2004, tem vindo a colaborar estreitamente com a prestigiada editora alemã, Steidl. Os seus “livros-objeto” aparecem frequentemente nas exposições da artista. No início da década de 2010, Singh começou a incorporar as imagens em estruturas móveis de madeira - que descreve como “foto-arquitetura” -, permitindo-lhe explorar ao máximo o potencial de uma concepção de fotografia baseada na montagem e nas possibilidades narrativas proporcionadas pela justaposição de imagens. Estas estruturas podem ser organizadas em diferentes disposições, permitindo uma rápida reorganização da composição das imagens e do espaço e convidando os espectadores a movimentarem-se livremente - ou a “dançarem” – em seu redor para experimentarem as imagens.
A primeira galeria da exposição é dedicada a noções intimamente ligadas ao meio fotográfico: o arquivo e a memória, o desaparecimento e a extinção, a edição e a circulação de imagens. “File Museum” (2012), o primeiro dos “museus” concebidos pela artista, reúne imagens que retratam arquivos de várias categorias na Índia, fotografados em diferentes contextos. Destas imagens emerge uma relação sensível, quase “táctil” com estes lugares e objetos - aquilo que o romancista Orhan Pamuk descreve como a “textura do tempo”, num texto sobre a obra de Singh. Concebido posteriormente, o “Museum of Chance” (2013) representa, para a artista, a “mãe de todos os museus,” na medida em que poderia potencialmente conter todos os seus outros museus. Tendo uma escala maior e um número significativamente superior de imagens, distingue-se, sobretudo, pela heterogeneidade das fotografias que o compõem e que se relacionam com a música, a dança, o cinema, os locais de trabalho ou de habitação, bem como imagens pessoais da artista ou de pessoas que conheceu.
As obras apresentadas na segunda galeria da exposição refletem o interesse por processos de desaparecimento e extinção. A questão da perda está no centro de “Museum of Shedding” (2016), que reúne imagens caracterizadas por uma ausência, um vazio, uma “beleza austera e reduzida.” Um outro grupo de obras nesta galeria evidencia o olhar sensível de Singh para a arquitetura e os espaços de habitação. Cada uma das obras da série “Architectural Montages” (2019-21) coloca em diálogo pelo menos duas imagens e, por extensão, duas arquiteturas, duas temporalidades, duas geografias, como se criasse passagens entre elas. A montagem é feita através de um método “analógico,” cortando e sobrepondo à mão imagens existentes a partir de fotografias tiradas em vários locais à volta do globo. No centro da galeria encontra-se um dos mais recentes “museus” da artista, “Museum of Tanpura” (2021) remetendo para um instrumento de cordas cuja forma lembra a da conhecida cítara e que é uma componente essencial da música clássica indiana.
A música ocupa, desde o início, um papel central na obra de Dayanita Singh, como motivo e tema, mas também através de certas ligações formais que estabelece entre a música e a fotografia, em torno de noções de tons, temporalidades, ritmos, ou mesmo estados de espírito ou silêncio. O livro “Zakir Hussain: A Photo Essay” (1986), o primeiro projeto de fotografia de Singh, é o resultado de um encontro inevitável entre Singh e o famoso percussionista indiano Zakir Hussain. Os trabalhos em torno do tema da música é complementado pela obra “Musician’s Bus” (2021) composto por imagens de músicos em digressão, acentuando a intimidade dos laços que se formam entre eles e os diferentes “estados de espírito”. Na mesma galeria, “Let’s See” (2021) explora a profusão de personagens, corpos, ações, movimentos, contactos e relações. A exposição termina com um conjunto de obras dedicadas à amiga íntima da artista: Mona Ahmed, que Singh descreveu como a pessoa mais singular que alguma vez conheceu. O “Museum of Dance” (2021) é uma homenagem tanto a Mona como à dança, com a qual Singh compara frequentemente a sua prática fotográfica, como sugere o título da exposição.
[Texto extraído do Roteiro da Exposição, em https://cdn.bndlyr.com/nsa343pdfl/_assets/2311_dayanita_roteiro_site.pdf]
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