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sexta-feira, 17 de novembro de 2023

EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: "O Santo Cristo Ibérico"



EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA: “O Santo Cristo Ibérico”,
de Koldo Chamorro
Centro Português de Fotografia
11 Nov 2023 > 31 Mar 2024


Quando terminei a visita de “O Santo Cristo Ibérico”, comentei com uma das colaboradoras do Centro Português de Fotografia o quanto me tinha impressionado o conjunto extraordinário de fotografias da autoria do basco Koldo Chamorro que ocupam, por estes dias, a totalidade de duas das antigas enxovias da Cadeia da Relação. Independentemente do olhar do fotógrafo, chamou-me a atenção o facto de haver aqui quase uma sobreposição temática e formal a esse trabalho seminal da fotógrafa Cristina Garcia Rodero, “España Oculta”, cujo livro, no dizer Manuel Morales, no El País, “mudou a fotografia espanhola”. Sou um admirador confesso de Cristina Garcia Rodero e “España Oculta” é uma das pérolas da minha colecção de livros de fotografia. Falar de Cristina Garcia Rodero e de Koldo Chamorro ao mesmo tempo é pôr em paralelo o mestre e o aprendiz. Mas neste caso, quem é afinal o mestre?

Estávamos em 1989 e “España Oculta” tomava a forma de livro. Nele se reuniam 126 fotografias que haviam “custado 15 anos de trabalho” a Cristina Garcia Rodero, o que permite perceber que o seu projecto de captar as pessoas, as suas crenças, festas e actividades, num tom enigmático, meio burlesco e meio terrífico, terá arrancado em 1974. É também em 1974 que Koldo Chamorro inicia “O Santo Cristo Ibérico”, projeto monográfico monumental levantado com o sentido de refletir visualmente sobre os diferentes aspetos das liturgias e manifestações religiosas da península ibérica, bem como sobre a presença da cruz cristã na nossa paisagem social. Chamorro compreendeu, nos últimos anos do regime franquista, que existiam certas manifestações religiosas, festas populares e rituais que corriam o risco de desaparecer, porque a agonia da ditadura os remeteria irremediavelmente para o esquecimento, mas também porque o avanço das novas tecnologias e da globalização que se avizinhava, qual rolo compressor, haveriam de fazer o seu trabalho. É impossível olhar para Koldo Chamorro sem ver aí Cristina Garcia Rodero, embora o contrário seja igualmente verdade. Está encontrada a resposta à questão que encerrava o parágrafo anterior: Estamos perante dois mestres incontestados da fotografia, um conhecido, outro acabado de conhecer.

Tal como Cristina Garcia Romero, também não foi intenção de Koldo Chamorro preservar um património supostamente moribundo, antes proceder a uma profunda análise social que mostra as contradições de dois países marcados pelo atraso e pelo obscurantismo, numa altura em que se viam tocados pela modernidade e começavam a abraçar a mudança. É esta realidade que “O Santo Cristo Ibérico” evidencia, através de um olhar profundamente pessoal e com um estilo inconfundível. São imagens que não se esgotam numa primeira leitura, antes nos questionam e inquietam, como pequenos labirintos onde reina a ambiguidade e o jogo, onde são muitas perguntas para tão poucas respostas, e onde - como gostava de lembrar citando o Tao-Te Ching - “o visível constrói a forma, mas o invisível dá-lhe valor.” Curioso, empático, imprevisível, crítico implacável, observador, generoso, tenaz, apaixonado, meticuloso, inconformista, bom conversador, traquinas, entusiasta, exigente e muito afetuoso, Koldo Chamorro deixou-nos no Outono de 2009. Era um contador de histórias. Voou livre como fotógrafo em anos em que os fardos dos dois países eram abundantes e pareciam eternos. O seu olhar complexo fala-nos de nós próprios.

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