LUGARES: Espaço Miguel Torga
Rua Miguel Torga, S. Martinho de Anta
Horário | Terça a sexta feira, das 09h00 às 12h30 e das 14h00 às 17h30; sábados e domingos, das 10h00 às 12h30 e das 14h00 às 18h30. Entre Novembro e Março, das 09h00 às 12h30 e das 14h00 às 17h30 (de terça a domingo). Encerra às segundas e feriados.
Ingressos | Entrada gratuita
Localizado em São Martinho de Anta, no concelho de Sabrosa, o Espaço Miguel Torga é um equipamento cultural que tem como desígnio primordial a divulgação da obra do grande escritor transmontano. Aberto ao público desde 2015, o edifício assenta num projeto arquitectónico da autoria de Eduardo Souto Moura e tem como elementos definidores da sua imagem os muros em xisto tão característicos desta zona. O Espaço alberga a exposição permanente, dando nota ao visitante dos aspectos biográficos e bibliográficos mais relevantes da vida do escritor. É, também, ponto de partida, ou de passagem, de um intenso roteiro torguiano onde se incluem, nas proximidades, a casa onde Torga nasceu e cresceu (e que pode também ser visitada), a Escola Primária e o tão celebrado negrilho (ulmeiro), ou o que resta dele. Um pouco mais distante encontra-se a Capela da Senhora da Azinheira e, alargando o espaço do roteiro, a Casa de Mateus, o Santuário de Panóias, o Parque Natural do Alvão ou as extraordinárias paisagens durienses, nomeadamente aquela que se obtém a partir do Miradouro de S. Leonardo da Galafura.
Nascido em 12 de Agosto de 1907 no seio de uma família de camponeses, Adolfo Correia Rocha cedo se revelou um excelente aluno, embora pouco dado a aceitar incondicionalmente as possibilidades que lhe foram surgindo pela frente. Serviu no Porto, na casa de uma família burguesa, de onde forçou o seu próprio despedimento. Estudou um ano no Seminário de Lamego, findo o qual perdeu a fé e desistiu. Emigrou para o Brasil mas regressou passados cinco anos, amargurado por se sentir “injustamente odiado por minha tia, de ser como um estranho para meu tio, de viver aperreado no seio da liberdade”. O tio, contudo, decide recompensá-lo pelos cinco anos de trabalho na fazenda e paga-lhe os estudos em Coimbra. Apostado em recuperar o tempo perdido, faz em apenas três anos aquilo que, normalmente, demoraria sete e conclui em 1927 o Curso Geral do Liceus, matriculando-se em Medicina na Universidade de Coimbra no ano seguinte. É neste ano que Adolfo Rocha publica o seu primeiro livro, “Ansiedade”, uma colectânea de poemas cujo título se revelará emblemático face ao que virá a ser o percurso literário do autor. O livro jamais será reeditado. Em 1981, quando organiza a Antologia Poética, Miguel Torga apenas recupera um verso do seu primeiro livro: “(…) Sinto o medo do avesso (…)”.
O percurso de Miguel Torga pode ser acompanhado nos extraordinários painéis que compõem a exposição, ilustrados profusamente com fotografias de época e um enorme conjunto de fac-símiles que contextualizam a apresentação da vida e obra do autor. Da sua colaboração na “Presença”, revista fundada por Branquinho da Fonseca, João Gaspar Simões e José Régio, à correspondência pouco amistosa com Fernando Pessoa, da publicação da novela “A Terceira Voz”, com a qual adopta o nome literário de Miguel Torga, à publicação da revista “Manifesto” e aos problemas com a censura, de tudo nos é dado conta, permitindo perceber a impulsividade e o desassombro que animaram o escritor enquanto jovem. Entretanto conclui em 1933 a Licenciatura em Medicina, estabelece-se numa freguesia do concelho de Miranda do Corvo onde passa a exercer as funções de médico clínico geral e em 1938 conhece Andrée Crabbé, sua futura mulher, em casa de Vitorino Nemésio, em Coimbra. No mês de junho de 1939, estabelece-se como médico otorrinolaringologista em Leiria, uma cidade que o irá marcar profundamente. Quarenta anos depois de ter saído da cidade, escreverá no Diário: “Esta terra foi a grande encruzilhada do meu destino. Aqui identifiquei e escolhi os caminhos da poesia, da liberdade e do amor, sem dar ouvidos às vozes avisadas da prudência, que pressagiavam o pior. Aqui, portanto, arrisquei tudo por tudo, fazendo das fraquezas forças, das dúvidas certezas, do desespero esperança.”
A exposição tem o dom de se transformar num verdadeiro romance, contando com emoção e subtileza uma história de vida singular. Uma viagem a Itália e a travessia de Espanha em plena guerra civil servem de pretexto para denunciar o franquismo e o fascismo de Mussolini. “O Quarto Dia da Criação do Mundo” é apreendido e Miguel Torga é encaminhado para a prisão do Aljube onde permanecerá mais de dois meses. É na prisão que escreve “Ariane”, um dos seus mais célebres poemas de resistência. Em 1940 publica “Bichos”, um dos livros de contos mais originais da literatura portuguesa e que se afirmará como o maior êxito literário do autor. Seguem-se o volume I de “Diário”, início de uma monumental e singularíssima obra de feição intimista (na totalidade serão publicados dezasseis volumes) e uma série de outros livros que o virão a afirmar a sua qualidade de escritor maior junto do público e da crítica, sendo apontado como candidato ao Prémio Nobel da Literatura em 1960, a par de Aquilino Ribeiro.
Vigiado pela polícia política, com uma parte importante das suas obras censuradas e impedidas de serem publicadas, afastado do exercício da Medicina por motivações políticas (bem como a sua mulher), é com o 25 de Abril de 1974 que se sente finalmente cidadão livre num país livre, celebrando a hora “de júbilo e comunhão à mesa eucarística da liberdade.” Alinhado com a política do Partido Socialista, a sua intervenção cívica multiplica-se mas faz questão de preservar a integridade do seu pensamento. Desdobra-se em conferências ou pouco por todo o mundo, é alvo de distinções das mais prestigiadas instituições portuguesas e estrangeiras, grava poemas em estúdio, viaja e continua a publicar. O grupo de teatro “O Bando” encena uma versão dramática de “Bichos”, com encenação de João Brites, o qual conservo na memória como uma das mais extraordinárias peças que vi até hoje. O ano de 1992 é marcado por um acontecimento doloroso, com o encerramento do consultório médico de Adolfo Rocha, no mês de Junho e em 1993 publica o volume XVI do “Diário”, comovente testemunho e impressionante reflexão do poeta face à doença e à aproximação da morte. Miguel Torga morre a 17 de Janeiro de 1994, às 12h33, no Instituto de Oncologia, em Coimbra. No dia seguinte, é sepultado em campa rasa no cemitério de S. Martinho de Anta.
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