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quinta-feira, 10 de agosto de 2023

LIVRO: "A Arte de Driblar Destinos"



LIVRO: “A Arte de Driblar Destinos”,
de Celso Costa
Edição | Maria do Rosário Pedreira
Ed. LeYa, Maio de 2023


“Retornei com vigor aos cálculos, manipulando de outros modos o problema já vencido. E, sem nem mesmo esperar o badalar dos sinos anunciando o fim da missa, de novo a deusa bailarina, em trajes cintilantes de estrelas, envolta em nebulosas, lantejoulas e arco-íris, rodopiava nas sapatilhas diante de mim, aconselhando: “Esse labirinto tem mais de uma saída, você venceu por pontos, mas pode vencer por nocaute!”, era a revelação. E foi como aconteceu o acesso a uma segunda via diferente, de outro modo, em quatro linhas curtas de cálculos, se revelava o valor singular da soma S de infinitas parcelas: uma manhã de domingo de ventos perfeitos, a drapejar as velas do meu pequeno barco no imenso oceano dos números, eu tinha chegado a uma outra solução simples, direta. Retornei para casa certo de que a matemática gostava de mim.”

Os mais familiarizados com o universo da Matemática – e, mais particularmente, com o da Geometria Diferencial –, sorrirão ao escutar o nome do brasileiro Celso Costa. Afinal, ele integra, juntamente com Euclides (plano), Euler (catenoide) e Meusnier (helicoide), o restrito clube de génios matemáticos a quem se deve a descoberta de superfícies mínimas, no caso concreto a Superfície Costa (Costa's surface). Com a publicação de “A Arte de Driblar Destinos”, o matemático (e escritor) vê crescer e expandir-se o número de pessoas que passaram a conhecê-lo, agora que a obra chega ao grande público e se mostra fadada para tocar os leitores. Repositório de momentos marcantes da infância, adolescência e juventude do autor, o livro é feito de histórias simples e francas, plenas de verdade, de uma quase inocência à qual o Júri do Prémio LeYa não se mostrou indiferente, reconhecendo-o como o grande vencedor da edição de 2022.

Romance inaugural escrito aos 74 anos, “A Arte de Driblar Destinos” integra um conjunto de memórias onde a ficção estreita o real de forma íntima, oferecendo uma imagem eloquente da precariedade e das adversidades que o autor teve de enfrentar até alcançar os seus objectivos. Celso Costa nasceu e viveu uma parte da sua infância em Ribeirão do Engano, uma fazenda do interior do Estado do Paraná. É lá que tem início um percurso de vida que se estenderá até à sua ida para a Universidade, cada episódio como parte de uma saga onde impera a destemperança de um pai que insistia em dar passos maiores do que a perna, a resiliência de uma mãe com a paciência nos limites e uma criança que, apaixonada por resolver problemas de matemática, fez de tudo um pouco: engraxou sapatos, vendeu bananas na rua, empilhou toros de madeira numa serração, foi servente de pedreiro e trabalhou na apanha de algodão e de café nas plantações da região.

Retrato social de um Brasil a várias velocidades, “A Arte de Driblar Destinos” cativa pela honestidade e generosidade da sua trama, onde não faltam as brincadeiras inocentes, uma emotiva tourada, um médico charlatão, uma troupe de circo, um coveiro sinistro ou um faquir sertanejo enterrado vivo. Onde não falta, também, uma professora primária que se torna decisiva na forma como incentiva esta criança a perseguir o sonho de vir a ser professor, driblando um destino medíocre ao qual parecia condenado. O exemplo de superação confere ao romance uma dimensão universalista, com o valor acrescentado de estarmos perante um conjunto de impressões marcadamente autobiográficas, vertidas directamente das memórias de Celso Costa ou apreendidas junto daqueles que lhe foram ou são mais próximos. Desengane-se o leitor que, ao sabor do Prémio Leya, busque no livro uma trama rebuscada, personagens elaboradas, uma escrita original. Aqui a narrativa flui ao sabor da memória, leve e livre, mostrando a vida tal como ela é. Um convite à viagem da qual saímos mais enriquecidos.

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