LIVRO: “Os Homens também Choram: Histórias da nova masculinidade”,
de Nelson Marques
Ed. Fundação Francisco Manuel dos Santos, Maio de 2021
“Nos últimos anos, a referência crescente a uma ‘masculinidade tóxica’ gerou um equívoco nem sempre fácil de desfazer: não é o ser homem em si que é tóxico, mas sim alguns comportamentos que estes podem adotar em resultado da forma como são educados. A masculinidade tradicional pode, de facto, ser destrutiva, mas tal não resulta de algo que seja inerentemente biológico, antes da socialização de normas de género rígidas que empurram os homens para comportamentos que prejudicam a sua saúde física, mental, emocional e relacional, bem como a saúde e o bem-estar de outros homens, mulheres e crianças.”
Chama-se “revolução da masculinidade” e é “porventura a mais importante do século XXI”. É neste pressuposto que assentam as narrativas de “Os Homens também Choram: Histórias da nova masculinidade”, livro no qual Nelson Marques junta a sua voz às vozes daqueles que apelam à luta pela igualdade e ao combate à violência de género. Numa linguagem simples, entremeada de frases lapidares de alguns vultos da sociedade moderna – de Tarana Burke, fundadora do Me Too, a Barack Obama, 44º Presidente dos Estados Unidos da América -, o autor elenca um conjunto de preconceitos que persistem nas sociedades ocidentais sobre a construção da identidade masculina e de como as pressões sofridas acabam por ter impacto nas vidas de muitos homens e nas daqueles que os rodeiam. Afinal, homem que é homem não expressa as suas emoções, não tem medo, não se acobarda, não é maricas. Homem que é homem não chora.
“Há quanto tempo nos andam a contar estas mentiras?” A questão não é meramente retórica e, embora não haja dados quanto à forma como os portugueses se identificam em matéria de género (no inquérito do Censos de 2021 as questões relacionadas com a identidade de género ou a orientação sexual primaram pela ausência), Portugal é um país essencialmente machista, pouco preocupado em questionar a leitura conservadora que é dirigida às mulheres. Muito a propósito, Nelson Marques evoca a “cultura da desculpabilização” como a grande responsável pela normalização e perpetuação da tolerância em relação ao abuso de poder e à violência sexual exercida sobre as mulheres. Mas não deixa de realçar que este modelo de masculinidade dominante limita também o pleno desenvolvimento dos homens, “desde o momento em que nascem e são embrulhados num cobertor azul”. Os factos mostram que são eles os mais propensos a adoptar comportamentos de risco, recorrem menos aos serviços de saúde e são os principais perpetradores e as principais vítimas de crimes violentos, pagando um preço demasiado elevado para tentar corresponder às expectativas do que significa ser homem.
A escrita deste livro começou a desenhar-se em Março de 2020, quando o seu autor escreveu “Os Homens também Choram”, reportagem publicada na revista do Expresso “sobre um conjunto de homens e projectos que em Portugal abrem caminhos para promover formas de masculinidade mais diversas e inclusivas”. É nessa linha que iremos conhecer advogados, investigadores, artistas 3D, humoristas ou judocas que puseram de parte as suas actividades ou as integraram em novos projectos, lutando contra os estereótipos de género, liderando movimentos antimachistas, apoiando as vítimas masculinas de violência sexual, promovendo espaços de discussão entre homens sobre o papel que têm na sociedade, derrubando mitos sobre a masculinidade e a doença mental. A revolução da masculinidade está em marcha. Entre o velho paradigma que já não serve e um novo que está em construção, há ainda um longo caminho a percorrer. Pois que o façamos, juntos, na certeza de que todos - homens e mulheres - sairemos a ganhar com isso.
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