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domingo, 4 de junho de 2023

CONCERTO: Seun Kuti & Egypt 80



CONCERTO: Seun Kuti & Egypt 80
Auditório de Espinho
02 Jun 2023 | sex | 21:30


Conhecer a história de Fela Kuti, pioneiro do “afrobeat”, é entender a música e o seu poder. É valorizá-la, enquanto expressão artística, como arma de denúncia das arbitrariedades e abusos deste mundo. Basta atentar em “Why Black Man Dey Suffer”, gravado em 1971 e considerado demasiado controverso para ser lançado pela EMI, para mergulharmos numa nova visão pan-africana do mundo, desafiando as injustiças coloniais e a corrupção das elites dominantes. O tema que serve de título ao álbum é toda uma lição de história sobre a opressão do homem africano, detalhando a série de abusos que o homem negro sofreu - o roubo das terras, a escravatura, a imposição de novas culturas, o dividir para reinar. É esta identificação com as massas oprimidas e a absoluta rejeição dos costumes da classe dominante, expressa através das palavras e da música, que constituem o legado político e musical de Fela Kuti, algo que Seun Kuti, o seu filho mais novo, vem insistindo em preservar e ampliar.

Seun Kuti nasceu em 1983 e desde muito novo mostrou interesse pela música do seu pai, tendo começado por actuar nas primeiras partes dos concertos de Fela Kuti e dos Egypt 80 e vindo a integrar oficialmente a banda, como saxofonista e percussionista, com 12 anos de idade apenas. Depois de Fela Kuti ter falecido, em 1997, Seun acatou a vontade de Fela Kuti e assumiu a liderança do grupo, com quem se tem apresentado em palco desde então. A Espinho trouxe uma música electrizante, plena de energia e ritmo, de forte pendor político, a reclamar direitos, a apontar caminhos, a pedir acção. Assumindo o papel de agitador, Seun Kuti recorreu com frequência à provocação e ao confronto - aos quais nem a recém-falecida Rainha Isabel II escapou - para problematizar as relações de poder, pôr o dedo em feridas como a pobreza, a corrupção ou o tribalismo e rejeitar as acusações de racismo de que é alvo frequente (abre os braços na direcção da banda, apresenta os músicos onde cabem árabes e africanos, caribenhos e europeus e pergunta: “Racista, eu?”).

Este “tocar a reunir” encontrou no público um entusiástico suporte, transformando o tempo do concerto num tempo de forte identificação, cúmplice e solidário. Um tempo de juntar esforços e, de forma activa, fazer nossa a luta por um mundo melhor, “um mundo carente de amor, a precisar de uma tremenda revolução”. Apoiado numa banda que tem no virtuosismo, na jovialidade e no bom humor algumas das suas maiores prerrogativas, Seun Kuti deu largas à sua música e à força dos seus poemas, agarrando o público desde o primeiro instante. Espectáculo dentro do espectáculo, correu, saltou, dançou e cantou até lhe doer a voz. Do concerto ficarão todos esses momentos de enorme carga política, ficará o irresistível groove e a soul inexpugnável que se derrama de cada um dos temas, ficarão os solos dos vários instrumentistas e do próprio Seun Kuti. Ficará, enfim, esse momento final, o tronco nu, o punho cerrado e erguido, o clamor na sala e um longuíssimo aplauso perante um palco vazio, reclamando um encore que não viria a acontecer.


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