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quarta-feira, 5 de abril de 2023

TEATRO: "As Bruxas de Salém"



TEATRO: “As Bruxas de Salém”,
de Arthur Miller
Encenação | Nuno Cardoso
Cenografia | F. Ribeiro
Vídeo | Luís Porto
Interpretação | Ana Brandão, Carolina Amaral, Joana Carvalho, Jorge Mota, Lisa Reis, Mário Santos, Nuno Nunes, Paulo Freixinho, Patrícia Queirós, Pedro Frias, Sérgio Sá Cunha
Produção | Teatro Nacional São João
155 Minutos (com intervalo) | Maiores de 12
Teatro Nacional São João
02 Abr 2023 | dom | 16:00


Ficou conhecido como “o julgamento das bruxas de Salém” e é um dos episódios mais vergonhosos da justiça norte-americana. O caso reporta a 1692 quando, na vila de Salém (actual Danvers, Massachusetts), mais de duas centenas de pessoas foram acusadas da prática de bruxaria. O tribunal viria a considerar trinta dessas pessoas culpadas, executando vinte delas, dezanove por enforcamento e uma por esmagamento com pedras. Na base de todo este processo pode ter estado uma desavença entre duas famílias. Foi o gatilho para que inimizades e mal-entendidos, contrariedades não resolvidas, a cobiça, a ganância, a luxúria e a sede de vingança, se evidenciassem em toda a sua iniquidade e perversão, dando azo a um rol de acusações absurdas que viriam a ser julgadas procedentes. Quando, em 1953, o dramaturgo Arthur Miller pegou nesta história e escreveu “The Crucible”, fê-lo com um propósito de alerta e denúncia: a paranoia anti-comunista atingia o auge na figura do senador Joseph McCarthy e a violação dos fundamentos legais mais elementares ameaçava gravemente os valores da liberdade e da democracia nos Estados Unidos. Estava em marcha uma nova “caça às bruxas”.

Avançamos 70 anos no tempo e confirmamos o quanto os ciclos da história se repetem. Percebe-se muito bem que Nuno Cardoso tenha querido encenar esta peça no particular momento em que vivemos e, levando-a a palco, chamar a atenção para os riscos que enfrentamos quando, um pouco por toda a parte (e em particular nas redes sociais), os valores da privacidade, da honra e da dignidade humana, do direito ao bom nome e da liberdade individual são alvo de atropelo constante. O cenário sombrio em que a peça se desenrola mais não faz do que mimetizar as densas nuvens que envolvem uma sociedade altamente digitalizada como a nossa. Esta realidade leva-me a abrir um parêntesis e a recuar um quarto de século, à data em que vi o filme homónimo, realizado por Nicholas Hytner e com Daniel Day-Lewis e Winona Ryder nos principais papéis. Do que retenho do filme, o seu valor resume-se ao lado documental, factual, e à apropriação que Miller faz da História para, duzentos e cinquenta anos depois, apontar firmemente o dedo ao macartismo. Mas devo admitir que não tenho ideia de ter estabelecido qualquer paralelismo entre o filme e o clima social do nosso País nesse final de milénio. Outros (e bons) tempos esses, é o que posso concluir.

Detendo-me na peça, direi que constitui um extraordinário momento de teatro. Uma “floresta” de postes de iluminação pública preenche o palco. A sua disposição cria uma espécie de corredores que marcam os momentos da acção e a luz mortiça que deles se desprende reforça o dramatismo. Ao mesmo tempo, são obstáculo a que o público tenha uma visão “limpa” do que se passa em palco. Entre o que escondem e o que revelam, assim são também os diálogos. Densos, emotivos, fascinantes. Os actores que os sustentam mais não fazem do que acentuar esse fascínio e corresponder à força da mensagem com a força das suas interpretações. Entre todos há Pedro Frias, que desempenha na perfeição um John Proctor atónito, irrefreável na sua revolta, esgotado na sua impotência, frágil no seu desespero. Ao introduzir o vídeo na peça, Nuno Cardoso correu um enorme risco, já que o saldo desta “hibridização” se tem revelado, na esmagadora maioria dos casos, desastroso. Não é esse o caso em “As Bruxas de Salém”. Os momentos filmados correm em paralelo com a acção em palco, ampliando o seu significado em vez de prover insuficiências, que é o “pão nosso de cada dia”. A peça vai agora para “fora de portas” e importa ser vista. Há nela teatro do melhor, a par com uma pronunciada acção pedagógica e cívica. Isto é presente!


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