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sexta-feira, 10 de março de 2023

TEATRO: "Casa com Árvores Dentro"




TEATRO: “Casa com Árvores Dentro”
Ideia original e criação | Cláudia Semedo
Texto e dramaturgia | Gisela Casimiro
Interpretação | Ana Madureira, Catarina Marques Lima, Natacha Campos, Pedro Peças, Vânia Luz
Ambiente sonoro (Curadoria) | Kalaf Epalanga
Design e cenografia | Rodrigo Ribeiro Saturnino (ROD)
Figurinos | Paulo Subtil
Desenho de luz | Sérgio Gaspar
Realização (documentário) | Miguel Afonso Carranca 
Produção | Companhia de Actores
75 Minutos | Maiores de 12 anos
Centro de Arte de Ovar - Caixa de Palco
03 Mar 2023 | sex | 14:30


“Era uma casa muito engraçada, não tinha tecto não tinha nada”. Mistério insondável este de, terminada a peça, ter sido assaltado por uma musiquinha escrita pelo Vinicius há mais de 50 anos. Ou talvez não tão insondável assim, já que isto de tecto e chão não será apenas uma questão física, antes o que temos e somos (ou parecemos ser) num dado momento. Mas voltemos à casa, ao centro da acção, àquele lugar que associamos a conforto e segurança e que é aqui alvo de escrutínio. Uma casa, em concreto uma instituição de acolhimento, dada a ver por quem a habita, quatro crianças em situação de grande vulnerabilidade, confrontadas com uma escola que as discrimina, uma família que as rejeita, uma sociedade que não oferece soluções e prefere olhar para o lado. Quatro crianças forçadas a partilhar temporariamente um lar construído a partir de profundas fracturas sociais, que travam uma luta constante pela aceitação daquilo que são, que só querem um minuto de atenção, uma prova de afecto, um gesto de amor.

Aquilo que salta imediatamente à vista nesta peça é a coragem em trazer para a ordem do dia um tema que continua a não merecer a atenção que lhe é devida. Leio que em Setembro de 2019 havia 7.553 crianças institucionalizadas no nosso País, o que me parece um número assustador (e, receio bem, com tendência a aumentar). Sabíamos disto? Preocupámo-nos alguma vez em perceber esta realidade? Saúde-se, pois, uma peça que oferece um lugar de fala às minorias e expõe, em contexto de instituição, a brutalidade de questões tão prementes quanto a discriminação étnico-racial, o capacitismo, a LGBTQfobia, a gordofobia, passando ainda pela saúde mental, a depressão e o suicídio. É com conhecimento de causa que o faz, o texto desenvolvido a partir de um historial de voluntariado e serviço social, com base em entrevistas, casos reais e experiências pessoais, aos quais se seguiram dezenas de diálogos e sessões de trabalho com educadores, assistentes sociais, mediadores culturais, ativistas e outras pessoas unidas pela intenção de levar adiante uma consciência mais informada e sensível à diferença.

“O papel da arte é, também, o de criar pontes, aproximar e dar a conhecer novas realidades, novos caminhos, novas vozes”, pode ler-se na descrição da open call do projecto |Pê| Prefixo de Desumanização, que está na base desta peça. Com ideia original e encenação de Cláudia Semedo, texto e dramaturgia de Gisela Casimiro e uma interpretação forte, incisiva e cheia de verdade de Ana Madureira, Catarina Marques Lima, Natacha Campos, Pedro Peças e Vânia Luz, “Casa com Árvores Dentro” existe para nos desinquietar. A todos nós, parte integrante da sociedade, do sistema, amarrados ao preconceito e alheados do facto de que “a discriminação existe e opera muito para além da intencionalidade”. Foi um privilégio ter podido assistir à conversa que se seguiu à peça, na companhia de quatro dezenas de jovens alunos de uma escola de Maceda. Foi importante, para todos, percebermos que, nas mais diversas situações, agimos e reagimos sem a noção do que isso provoca do lado de lá. A tomada de consciência de que um riso pode significar estar do lado do agressor é importante para a sociedade que queremos construir, uma sociedade mais justa e livre, onde todas e todos possam caber em igualdade de direitos.

Nota: “Casa com Árvores Dentro” pode ser vista no RTP Play, em https://www.rtp.pt/play/p11463/casa-com-arvores-dentro

[Foto: Ovar/Cultura | https://www.facebook.com/ovarcultura]

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