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domingo, 26 de março de 2023

LIVRO: "Balada para Sophie"



LIVRO: “Balada para Sophie”,
de Filipe Melo (argumento) e Juan Cavia (arte)
Companhia das Letras, Junho de 2021 (4ª republicação, Dezembro de 2022)


“ (…) mas, de repente, os dedos aproximaram-se do teclado e bastou um par de notas…
( – Meu Deus… Quem é ele? )
… para que todos percebêssemos que estávamos na presença de um génio.
( – Quem diria? O raio do fedelho… )
François Samson voltou ao palco.
( Bis! Bis! Bravo! )
Como encore, tocou o segundo estudo de Chopin. E, a seguir, outro, e outro, e outro, e outro.  Um miúdo de dez anos tocou, de memória, os 27 estudos sem uma única falha (…)”

“Cressy-La-Valoise, 1997”. Uma estagiária do jornal “Le Monde” apresenta-se à porta de uma mansão. Chama-se Adeline Jourdain e está ali para entrevistar Julien Dubois, célebre pianista, entretanto reformado. De início relutante a conceder a entrevista, o velho acabará por ceder e abrir à jovem toda uma vida ditada por um momento marcante, que o leva a recuar a 1933 e à primeira edição do Concurso Nacional de Jovens Pianistas, na qual o pequeno Julien conhece o prodigioso François Samson, músico autodidacta e filho do empregado do teatro onde decorre o concurso. A vida dá muitas voltas e não serão poucas as vezes em que Julien Dubois e François Samson se voltarão a cruzar, nos palcos ou fora deles. Mas as circunstâncias daquele primeiro encontro e os ecos de um concurso com um vencedor inesperado irão repercutir-se pelo tempo fora, vertidos em rivalidade, desamor e arrependimento.

Devo dizer que a Banda Desenhada nunca foi opção de leitura que me atraísse. Algures, na pré-adolescência, li o incontornável tio Patinhas e os irmãos Metralha, mas sem que isso despertasse em mim um especial gosto por este género. Houve depois umas séries engraçadas de BD que os meus tios coleccionavam e, essas sim, já me chamaram a atenção. De memória recordo as aventuras na selva de Kalar, de Ogan o Viking, do intrépido piloto da RAF Major Alvega ou do Caribú, de todos o meu preferido. Com a entrada na adolescência os interesses foram-se dispersando e o pouco contacto com a BD acabou por se tornar praticamente nulo, falha que nem mesmo o nascimento dos meus filhos conseguiu colmatar. Até há meia dúzia de dias atrás, quando peguei no multi-premiado “Balada para Sophie”, com texto de Filipe Melo e desenhos do argentino Juan Cavia, e me senti absolutamente rendido à história e ao desenho ao mergulhar num mundo cuja estética remete para o cinema, a música e a literatura.

“Balada para Sophie” é um livro admirável a todos os títulos. Começando pelo livro em si, enquanto produto, é um dos mais belos exemplos do que podem o cuidado e o bom gosto: o cunho de álbum na sua dimensão e nas mais de 300 páginas, a capa dura onde sabe bem passar a mão, as letras desenhadas, a tira em tecido a servir de marca página. Depois há toda a parte gráfica, o desenho de Juan Cavia com particular atenção ao rigor dos enquadramentos, a uma apurada noção de perspectiva, à delicadeza do traço e à suave coloração, na qual contou com as colaborações de Sandro Pacucci e Santiago R. Villa. Finalmente o texto, brilhante, de Filipe Melo, que através da história deste homem nos conta a história da humanidade, naquilo que tem de mais pernicioso, o ciúme, a inveja, a culpa, mas também de mais belo e livre, como o amor e a música. Ainda dois pormenores: o livro contém, nas suas páginas finais, a partitura de “Ballade pour Sophie”, escrita por Filipe Melo e é dedicado a Beatriz Lebre, jovem pianista e estudante universitária de Psicologia que foi morta em 2020 por um colega de universidade.

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