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domingo, 26 de fevereiro de 2023

TEATRO: "Noite de Reis"



TEATRO: “Noite de Reis”,
de William Shakespeare
Dramaturgia e encenação | Ricardo Neves-Neves
Cenografia | Ana Paula Rocha
Figurinos | Rafaela Mapril
Interpretação | Adriano Luz, António Ignês, Cristóvão Campos, Dennis Correia, Filipe Vargas, João Tempera, José Leite, Luís Aleluia, Manuel Marques, Marco Delgado, Rafael Gomes, Renato Godinho, Ruben Madureira
Produção | Teatro do Eléctrico
120 Minutos | Maiores de 14 anos
Teatro da Trindade - Fundação Inatel
19 Fev 2023 | dom | 16:30


“Noite de Reis” é uma comédia romântica escrita por William Shakespeare, supõe-se que em 1601. O enredo centra-se em Violeta e Sebastião, dois irmãos gémeos, separados por um terrível naufrágio e salvos milagrosamente, dando à costa da Ilíria crendo que o outro está morto. A comédia de enganos começa precisamente aqui e prolonga-se quando Violeta, disfarçada de homem, muda o seu nome para Cesário e entra ao serviço de Orsino. O trabalho de Violeta consiste em mandar mensagens de amor de Orsino para a sua amada Olívia, mas o inesperado acontece: Olívia apaixona-se por Cesário achando que ela é um homem e Violeta apaixona-se por Orsino, mas não pode revelar o seu amor por ele sem, com isso, desmascarar-se. Num segundo plano, também Malvolio, o pomposo mordomo de Olívia, crê que a sua senhora está apaixonada por ele, enquanto o nobre André procura fazer a corte a Olívia, apoiando-se no tio desta, o impagável Dom Telmo. Nos bastidores, Maria, a criada, vai puxando os cordelinhos.

Shakespeare no seu melhor, sim, mas também Ricardo Neves-Neves no seu melhor. Perseguindo a ideia de um teatro mais próximo do público, sem abastardamentos nem concessões ao facilitismo, o encenador apodera-se desta deliciosa comédia para trazer Shakespeare ao nosso encontro e dar a ver a qualidade da sua dramaturgia. E é isto que é extraordinário: A forma como um texto com quatro séculos de existência pode revelar-se tão actual, forças e fraquezas de ontem as mesmas de hoje e sempre, a mesma carne e o mesmo coração. Apenas as motas em vez do cavalo (ou do burro), o asfalto em vez das estradas esburacadas, o pulmicort em vez da sufeca. Ao longo de duas horas, o palco é fonte de todas as emoções graças a uma trama extraordinariamente bem urdida, plena de energia e boa disposição. Para tal é determinante uma encenação que respeita integralmente o texto, acrescentando-lhe apontamentos de modernidade que o aproximam do público. Entre saborosas gargalhadas e momentos da mais profunda contenção, o tempo passa sem se dar por ele e o teatro mostra-se como arte maior que é.

Há em “Noite de Reis”, porém, outros aspectos que são igualmente determinantes para o sucesso da peça. Comecemos pelos figurinos, deliciosas criações de Rafaela Mapril, de uma extraordinária exuberância e colorido, fonte incontornável de admiração e fascínio. Há depois a música, interpretada ao vivo como convém numa peça de Shakespeare, na qual a flauta e o alaúde abrem espaço aos instrumentos actuais e onde a aposta incide na pop, na disco ou no hip hop, em vez da música palaciana de seiscentos. Há, enfim, a interpretação, a cargo de um vasto elenco constituído exclusivamente por actores do género masculino, transbordantes de energia e vivacidade, notáveis na forma como se entregam às suas personagens e as revestem de saborosos trejeitos. Respondendo à exigência, ritmo e intensidade dos diálogos, os actores evoluem no palco sem falhas, sendo impossível estabelecer uma distinção entre eles, de tal forma são todos excelentes. Na sequência dos extraordinários “Alice no País das Maravilhas” e “Banda Sonora”, “Noite de Reis” é uma peça que reforça a minha admiração por Ricardo Neves-Neves e que marca, desde já, a temporada teatral de 2023.


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