A cada passo, o Google Photos sugere rotações às minhas fotos. Onde eu vejo paisagens parece ele querer ver retratos (e vice-versa). Raramente lhe dou razão, a minha horizontal e a dele não são as mesmas. E menos ainda os nossos horizontes. Vem isto a propósito da exposição de fotografia “Horizontal” e dos horizontes que sou convidado a descobrir por intermédio da lente de André Gigante. Nas paredes do Mira Fórum, dezoito imagens alinham-se de forma aparentemente aleatória para, no seu conjunto, oferecerem uma representação possível desses espaços que se contraem e distendem na exacta medida do meu sentir. Mais próximos ou mais longínquos, palpáveis ou incorpóreos, inexactos ou intensamente límpidos, os horizontes abrem-se ao meu olhar e à minha compreensão, pedindo que os tome como meus, que neles saiba ver o que não se vê, que confirme, uma vez mais, que espaço e tempo são conceitos voláteis, sem réguas nem relógios que os afiram, distantes da mente, juntinhos ao coração.
Do domínio dos sentidos, o trabalho de André Gigante não se explica. Geradas na luz, as formas agitam-se em busca de correspondência. Olhadas de frente parecem uma coisa, da esquerda ou da direita já parecem outra. Uma poça de água que sobrevive à maré baixa? Vestígios de uma pegada na areia? Parte de um caderno em branco abandonado? O mero reflexo de um raio de sol na superfície do lago? Na ânsia de compreender, há sons que se instalam e perfumes que se insinuam. O processo criativo encontra em mim um precioso aliado. Sou apenas eu a ver a silhueta de um homem de chapéu e a escutar a sua voz que se projecta de forma imprecisa do lado de cá da janela de vidro martelado do gabinete? (Mas será um gabinete? Um homem? Um chapéu? Uma voz?). A cor, essa, permanece fugidia, rente ao grau zero onde todas as coisas se confundem. É dela que vem esta sensação de unidade que aconchega e conforta. É a ela que regresso e me refugio, é nela que aplaco a minha inquietação e sinto o pulso serenar.
Foi no Verão passado que descobri “Deambulaia”, extraordinária exposição de pintura de André Gigante que ocupou o espaço do Centro de Arte de Ovar até finais de Outubro. Cheio de promessas, o reencontro não poderia ser mais estimulante. Na altura, escrevi AQUI no blogue: “Na pintura de André Gigante percebe-se com nitidez o seu olhar de fotógrafo, a obra como um detalhe, parte reduzida de um todo que se estende para lá da tela, que não está lá, mas está, ao mesmo tempo”. A confirmação surge agora, intensa e viva, em “Horizontal”. Depuradas, silentes, as imagens mostram o quanto há de abstracto na coisa concreta que o “momento congelado” encerra. Distantemente perto, longinquamente presente, cada imagem é, em si mesma, um convite à viagem. Tal como em “Deambulaia”, embarco nela sem reservas. Espera-me Ítaca que espero distante. Quero viver o momento, descobrir-me em “delírio” ou em “vertigem”, num “reflexo” ou numa “miragem”. Descobrir “o tempo suspenso” e o quanto encerra. Navegar é preciso!
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