Os primeiros sinais de uma mudança estética no retrato fotográfico em Portugal começaram a fazer-se sentir ainda na década de 1910, sobretudo com a obra de Pedro Lima, marcada por um gosto pictorialista. Seguiram-se-lhe outros retratistas, como Fernandes Tomás, que lhe sucedeu no estúdio e na estética, San Payo, que teve a preferência do público, sobretudo das elites, Mário Novaes, que apenas se dedicou num breve período ao retrato, seu irmão Horácio Novaes, simultaneamente retratista e repórter e, no Porto, Domingos Alvão. A partir dos anos 30 surgiram alguns artistas que se repartiram entre o retrato fotográfico e a fotografia de cinema, como Salazar Dinis e João Martins. Contudo, foi Silva Nogueira quem mais se focou no retrato de artistas e quem mais e melhor pôde inovar nesse género. E é justamente de Silva Nogueira que, numa parceria com o Museu Nacional do Teatro e da Dança, chega agora ao Centro Português de Fotografia a exposição “Corpos Modernos do Palco”.
Conjunto de imagens que abrangem um período que vai do início da década de 1920 até aos primeiros anos da de 1930, esta mostra permite-nos explorar as dimensões de uma quádrupla modernidade. Elas testemunham a profunda mudança estética do retrato, incorporando novidades do cinema, como o grande plano ou os efeitos de luz; também deixam perceber a transformação operada no teatro nacional, quer no teatro de repertório quer na Revista à Portuguesa, com uma marcada influência cosmopolita, sobretudo na dimensão visual; por outro lado, assiste-se à ampla disseminação dessas imagens nos novos magazines ilustrados, conseguindo fazer chegar o novo gosto a amplas franjas do público; finalmente, estas imagens são reveladoras de uma emancipação e de um empoderamento da mulher com um inusitado protagonismo nos palcos, assumindo o próprio corpo como uma estética moderna, com uma dimensão performativa. Este conjunto de retratos é revelador de uma surpreendente modemidade, mesmo sob o olhar do nosso tempo.
Joaquim da Silva Nogueira (1892-1959) nasceu numa família de fotógrafos e cedo ingressou num dos mais prestigiados estúdios fotográficos lisboetas, a Fotografia Brasil, de Carlos Silva. No início dos anos 20, após o falecimento do proprietário, assumiu a direcção artística do estabelecimento que viria a adquirir pouco depois. Dando especial especial atenção à fotografia dos artistas dos palcos, estabeleceu com eles uma relação que foi muito além da prática do retrato convencional e, em certos casos, aproximou-se de um registo de performance pela liberdade que assumiu. Nas décadas de 20 e 30, as longas séries fotográficas que realizou com Luísa Satanela, Francis Graça, Corina Freire ou Mafalda Evanduns provam, pelos limites que quase transgridem, as profundas cumplicidades estabelecidas. A modernidade das imagens que resultaram dessas sessões são o testemunho da importância do trabalho de Silva Nogueira no contexto da fotografia portuguesa e também da sua inédita capacidade de transformar a imagem visual de alguns desses artistas.
[Texto baseado na folha de sala de introdução à exposição, da autoria de Paulo Ribeiro Batista]
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