Depus a máscara e vi-me ao espelho.
Era a criança de há quantos anos.
Não tinha mudado nada…
É essa a vantagem de saber tirar a máscara.
É-se sempre a criança,
O passado que foi
A criança.
Depus a máscara e tornei a pô-la.
Assim é melhor,
Assim sou a máscara.
E volto à personalidade como a um terminus de uma linha.
Fernando Pessoa
Fernando Pessoa, a máscara personificada na múltipla heteronomia, é figura omnipresente em “A Segunda Pele”, conjunto de trabalhos de Balbina Mendes que se propõem abordar um dos objectos mais presentes na rotinas dos dias de hoje. Contaminada por Pessoa e pela sua poesia, especificamente a que diz dos inúmeros que habitam em cada um de nós, a pintura da artista surge-nos numa nova dimensão, mais claramente viva, mais desconfortantemente real. É a partir do Pessoa que emerge de um turbilhão de poemas e heterónimos que a artista parte para uma abordagem plástica diferente, propondo-nos uma reflexão sobre o significado e alcance da máscara, o seu simbolismo e o paradoxo que encerra no tanto que mostra como disfarça. Na vastidão das Galerias Amadeo de Souza-Cardoso do Museu Municipal de Espinho, encontra o visitante um conjunto de exemplos em que a associação rosto-máscara permite valorizar aspectos como a alteridade, a ocultação, a transfiguração, o mistério e o disfarce de identidade.
Pegando nas palavras da artista, esta série de pinturas “resulta do fascínio pela máscara, símbolo do outro, ou dos inúmeros que habitam cada ser humano. Assim, a máscara pode ser percepcionada num ícone ancestral, num poema, nas camadas de tinta sobrepostas, ou no plexiglas que se sobrepõem a um rosto. A Segunda Pele são as múltiplas máscaras que ocultam e denunciam, obliteram e revelam… No caso do plexiglas, camada exterior que se introduz nesta série, só por si funciona como dupla máscara. É como um filtro que, por um lado, distancia o espectador da superfície da tela; por outro, adiciona uma nova imagem e grafismo à pintura. Simultaneamente, o reflexo do plexiglas convoca o observador a interagir com a obra, ao ver a sua imagem projectada para além do rosto que observa, adicionando-lhe uma nova máscara, uma outra pele.”
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