TEATRO: “O Pecado de João Agonia”,
de Bernardo Santareno
Encenação | João Cardoso
Dramaturgia | Regina Guimarães
Cenografia e figurinos | Sissa Afonso
Interpretação | Ângela Marques, Benedita Pereira, Daniel Silva, Inês Afonso Cardoso, João Cardoso, João Castro, Pedro Galiza, Pedro Quiroga Cardoso, Rúben Pérola
Produção | Assédio
100 Minutos | Maiores de 12 anos
Teatro Carlos Alberto
17 Nov 2021 | qua | 19:00
“(…) Respondes-me com o teu coração nas mãos? Um homem – o maior, o mais valente! – é capaz de subir lá acima, ao alto da Rocha Grande, e obrigar o vento norte a virar sul? Ou pode chegar ali, à beira-rio, e mandar as águas correrem ao contrário?!… Pode, Tóino, diz lá?! Alguém pode fazer com que uma árvore cresça pro fundo da terra, em vez de subir pro ar?!… Quem, Tóino, quem é capaz de fazer isso?! (…)”
Bernardo Santareno, in “O Pecado de João Agonia”
Quando, em 1961, foi publicada a peça de Bernardo Santareno, “O Pecado de João Agonia”, a censura não perdeu tempo a deitar-lhe as mãos. O Estado “opressor e castrador de todas as formas de vida sensível, sensual, intelectual, social e cultural, tidas como desviantes em relação à norma todo-poderosa”, impunha a sua lei. Sessenta anos passaram e, em contraciclo com um conjunto de leis retrógradas e discriminatórias que foram sendo abolidas no pós 25 de Abril, subsistem as mentalidades fundadas na negação e no preconceito, agarradas a ideologias e práticas fortemente enraizadas no machismo, na misoginia e na homofobia. Daí que seja de saudar o empenho de João Cardoso e do colectivo Assédio em levar à cena a peça de Santareno, pela riqueza e intensidade do texto, pelas múltiplas leituras que oferece, mas sobretudo pela sua intemporalidade e pelo que nela há de exemplo e chamada de atenção nos tempos que correm.
A abordagem cénica é marcadamente clássica. Com um tema tão vasto e rico em mãos, percebemos que seriam muitas as pontas pelas quais João Cardoso pudesse pegar na peça, mas foi na fidelidade ao texto e aos ambientes que quis agarrar-se, depurando a encenação e protegendo-a de “ruído”. Apoiado na dramaturgia de Regina Guimarães – que extraordinário trabalho em prol do teatro, e não só, vem esta grande escritora fazendo -, “O Pecado de João Agonia” devolve-nos a crueza dos sentimentos, a genuinidade dos gestos e a rudeza dos diálogos tal como os terá pensado Santareno. Aquilo que nos é dado assistir é um “teatro-verdade” que emerge daquelas quatro paredes e as mostra na sua fragilidade, tão permeáveis à intriga, à indignidade e à traição, como ao vento que sopra rijo e assobia através das suas frinchas ou ao uivo dos lobos que, medonhos, rondam a casa.
Com sala cheia, situação recorrente desde que estreou no passado dia 11 de novembro, “O Pecado de João Agonia” vê-se e sente-se. Da desenvoltura da Maria Giesta à truculência do Fernando Agonia, da inocência da Teresa Agonia à brandura da mãe Rita, da infâmia do Manuel Lamas à humildade do Tóino Giesta, é da transparência de sentimentos que falamos, por muito que todos procurem dar mostras daquilo que não são. Neste jogo entre a verdade e a mentira, João Agonia é o menos fingidor e pagará por isso. Sem ninguém que o aceite, aceita-se a si mesmo, sabendo que só a morte lavará tão grande pecado. Quando, com o pai, o tio Miguel e o irmão Fernando, parte para uma batida aos lobos, João Agonia sabe o que o espera. Mas sabe, também, que o seu gesto auto-sacrificial é a única forma de cravar um espinho nas consciências de todos, de os fazer olhar para si próprios e perceberem a incoerência, a irracionalidade e a mesquinhez do seu pensar e modo de agir.
[Foto: Teatro Nacional de São João | https://tnsj.pt/]
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