Quando a epidemia de COVID-19 se espalhou pelo mundo, Kay Yokoyama sentiu, tal como a generalidade das pessoas, que o controlo da situação não era mais uma questão de vontade própria. As alterações induzidas num quotidiano reorientado para um pretenso “novo normal” ofereceram-lhe uma oportunidade soberana de olhar em volta e pensar no milagre de estar aqui, na sucessão de milagres que envolvem o simples facto de ter nascido. É dessa reflexão que nasce “The Day You Were Born, I Wasn’t Born Yet”, reduzido mas extraordinariamente significativo conjunto de imagens que funcionam como o testemunho de um regresso às origens e do refazer de um trajecto pessoal. Visitar a sua antiga casa, vasculhar álbuns de fotografias antigas ou regressar aos locais onde os avós já falecidos moraram, proporcionou-lhe uma natural conexão do presente com o passado, uma viagem no tempo e no espaço feita do cruzamento de memórias carregadas de amor mas também de dor e tristeza.
Ao atentar nas imagens tão simples mas tão belas de Kay Yokoyama, não posso deixar de olhar para mim próprio e para aquilo que me tem sido possível fazer neste ano e meio que passou. Na sucessão de milagres que fazem com que estejamos aqui, vivendo um presente carregado de incertezas mas que se abre em esperança, são as questões existenciais que mais nos assaltam. De súbito, a vida vivida a um ritmo frenético, como se de uma fuga em frente se tratasse, desacelerou até quase parar. Subordinadas aos novos paradigmas do distanciamento social, das dotações seguras dos espaços partilhados ou do uso dos equipamentos de protecção individual, as incontornáveis rotinas viram o tempo distorcer-se até se romper a sua marca de escravizadora linearidade. Mais sós e, portanto, mais livres, partimos em busca de respostas. Encontramo-las no mais fundo de cada um de nós.
Um retrato antigo de uma família numerosa, uma pulseira de recém-nascido, um ramo de folhas mortas que desce vagarosamente o rio ou umas lágrimas que se escapam de um rosto cansado são testemunhos de um pulsar de vida onde se misturam os mais díspares sentimentos. Sob um manto de silêncio, a sós com as nossas próprias memórias, olhamos as imagens que Kay Yokoyama partilha connosco e não podemos deixar de fazer nossos os seus traços. Mais do que aquilo que revelam, estas fotografias são um convite a intuirmos a sua essência, outrora rica e pulsante de vida, hoje não mais do que marcas cada vez mais ténues de um tempo que se afasta inexoravelmente. Depuradas, contemplativas, de um cromatismo austero, elas são a prova da insustentabilidade da leveza do ser, num mundo que precisa urgentemente de se libertar dos pesos e das pressões que o levam por caminhos da auto-destruição. A não perder, até ao último dia deste mês!
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