LIVRO: “Penas de Pato - Ver a Vida a Passar da Varanda”,
de Miguel Araújo
Edição | Clara Capitão
Ed. Companhia das Letras, Setembro de 2018
“Nós sabemos mais da História americana do que da nossa porque a nossa imaginação pode facilmente recorrer-se dos filmes de caubóis que a nossa televisão tanto passou nas nossas infâncias. Esse imaginário está-nos amplamente disponível. Pelo menos eu, quando era puto, brincava aos caubóis e nunca me lembro de alguma vez me ter ocorrido brincar aos campinos ou aos Descobrimentos ou aos legionários do D. Afonso Henriques. E essa, para mim, é que é a verdadeira questão portuguesa.”
As crónicas quinzenais que Miguel Araújo vem mantendo desde 2017 na Revista Visão constituem a base deste livro. Como o próprio afirma na nota introdutória, são fruto de uma escrita “mais transparente, como coisa acabada, capaz de se bastar a si própria”, em contraponto a esse “processo moroso, difícil, necessariamente forçado” que é o de encontrar as palavras certas que uma melodia reclama. Em jeito de síntese, Miguel Araújo abre-se numa confissão: “Chego a pensar que um pedaço de texto que se resolve em cinco minutos terá eventualmente mais de mim do que a letra duma canção que me demora cinco meses.” Facilmente perceberemos que a questão dos “cinco minutos” é uma força de expressão, da mesma forma que nos damos conta do gozo que se derrama de cada história, a escrita como um exercício de liberdade que, mais do que enriquecer e preencher quem a vive e sente, reclama ser partilhada.
Quem for à procura de encontrar nas páginas deste livro traços da personalidade do autor e perceber a força do seu carácter não sairá defraudado. São inúmeras as revelações em nome próprio que mostram um Miguel Araújo muito diferente na vida real em relação à ideia que temos daquilo que é a “vida de artista”. Para além dos episódios desconcertantes que ajudam a defini-lo, metaforicamente, como alguém que “não sabe onde ficam os atalhos para fugir ao trânsito”, o livro é bem a prova de estarmos perante um observador atento e interessado pelo que se passa à sua volta, seja ele o pessoal a opinar em massa e a desatar à bordoada no Facebook, os nomes dos cafés onde se identificam gerações muito concretas, uma placa na auto-estrada que indica Lourizela ou a forma como o futebol é jogado, “de uma maneira desonrada, feia, pouco cavalheiresca”. O resto são memórias e, também, alguns pedacinhos de ficção (agora que penso bem, talvez não sejam apenas “alguns”, e sejam algo mais que “pedacinhos”).
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