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quinta-feira, 15 de julho de 2021

LIVRO: "A Morte não É Prioritária - Biografia de Manoel de Oliveira"



LIVRO: “A Morte não É Prioritária - Biografia de Manoel de Oliveira”,
de Paulo José Miranda
Edição | Rui Couceiro
Ed. Contraponto Editores, Setembro de 2019


“Luis Miguel Cintra diz-nos: ‘A maior dificuldade que encontramos para fazer uma biografia de Manoel de Oliveira é que a obra e a vida estão muito interligadas. É preciso conhecer a obra a fundo. E esta vai mudando ao longo dos anos pelas reflexões sobre o cinema e sobre a vida.’ Se é verdade que isto acontece com a maioria dos cineastas, com Oliveira muito mais, porque a sua obra é quase toda realizada entre os seus 70 e 106 anos. E os filmes vão integrando em si, cada vez mais, em crescendo, factos, reflexões da vida e memórias.”

“Não, não olho para o que fiz. Olho para o que vou fazer. Esta é a minha ocupação. Quando me perguntam sempre ‘qual é o filme que gosta mais’, respondo: é o que vou fazer agora.” É este Manoel de Oliveira, tenaz e decidido, que encontramos no trabalho biográfico desenvolvido por Paulo José Miranda onde se dá conta da vida e obra do realizador com a mais longa carreira da História do Cinema. Nascido a 11 de dezembro de 1908, no Porto, cidade onde viria a falecer com 106 anos de idade, em 02 de Abril de 2015, Manoel Cândido Pinto de Oliveira fez mais de meia centena de filmes ao longo de 84 anos, passando do cinema mudo ao cinema sonoro, do preto e branco à cor e da película de nitrato ao suporte digital. Daí que esta biografia seja, desde logo, um acto de coragem - como corajosa foi a vida do biografado -, respondendo a “comos” e “porquês”, embora consciente de que há coisas que não se explicam porque, pura e simplesmente, não têm explicação.

Não há como não ler “A Morte não É Prioritária – Biografia de Manoel de Oliveira” como se de uma longa-metragem se tratasse. Desde logo por que ela se debruça sobre uma vida longa e riquíssima de uma figura absolutamente singular da cultura portuguesa, um homem cuja vida quase se pode resumir na frase “pensar em cinema, imaginar cinema, escrever cinema, filmar e viajar por causa do cinema”. Mergulhando no universo pessoal de Manoel de Oliveira, Paulo José Miranda tece habilmente um guião que respeita a cronologia dos acontecimentos, empenhando-se em relacioná-los entre si. É um trabalho minucioso em busca dos fios de uma meada complexa, unidos com sabedoria e paixão para formar a peça de uma vida. Uma peça tornada mais bela ainda graças aos conhecimentos que o biógrafo demonstra sobre o cinema em geral e sobre os filmes de Oliveira em particular, permitindo-lhe mostrar que, mais do que a obra em si, está o homem e o seu pensamento, os conceitos ontológicos que defendia, as correntes artísticas como forma de expressão e, sobretudo, as convicções mais íntimas das quais nunca abdicou.

“Uma biografia é uma narrativa. E nesta, assim como na existência, há que decidir”, diz Paulo José Miranda num “antes de mais”, espécie de preâmbulo a este livro. Esta reflexão acabará por impor a sua verdade ao longo da obra da forma que mais interessa ao leitor, as decisões tomadas - “tomamos este caminho e não outro, esta decisão e não outra” - a revelarem-se acertadas, de tal forma vamos sentindo o livro em crescendo, empolgados com a presença e a jovialidade de um homem que, sempre a filmar, vence a barreira dos cem anos e segue em frente. Para os amantes da sétima arte - mesmo para aqueles que não têm a obra do realizador português na melhor das contas -, este é um livro precioso, cruzando a filmografia pessoal com o cinema de autor que foi sendo feito um pouco por todo o mundo, oferecendo apontamentos deliciosos sobre a vida de um e do outro lado da câmera, revisitando as reacções à exibição de cada um dos filmes e escutando aqueles que souberam elogiar o realizador ou, pelo contrário, o enxovalharam. No final o sentimento é de admiração, tanto pelo biografado como pelo biógrafo (para além da vontade de ver ou rever com urgência a obra completa de Manoel de Oliveira). Um livro essencial.

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