LIVRO: “A Morte não É Prioritária - Biografia de Manoel de Oliveira”,
de Paulo José Miranda
Edição | Rui Couceiro
Ed. Contraponto Editores, Setembro de 2019
“Luis Miguel Cintra diz-nos: ‘A maior dificuldade que encontramos para fazer uma biografia de Manoel de Oliveira é que a obra e a vida estão muito interligadas. É preciso conhecer a obra a fundo. E esta vai mudando ao longo dos anos pelas reflexões sobre o cinema e sobre a vida.’ Se é verdade que isto acontece com a maioria dos cineastas, com Oliveira muito mais, porque a sua obra é quase toda realizada entre os seus 70 e 106 anos. E os filmes vão integrando em si, cada vez mais, em crescendo, factos, reflexões da vida e memórias.”
Não há como não ler “A Morte não É Prioritária – Biografia de Manoel de Oliveira” como se de uma longa-metragem se tratasse. Desde logo por que ela se debruça sobre uma vida longa e riquíssima de uma figura absolutamente singular da cultura portuguesa, um homem cuja vida quase se pode resumir na frase “pensar em cinema, imaginar cinema, escrever cinema, filmar e viajar por causa do cinema”. Mergulhando no universo pessoal de Manoel de Oliveira, Paulo José Miranda tece habilmente um guião que respeita a cronologia dos acontecimentos, empenhando-se em relacioná-los entre si. É um trabalho minucioso em busca dos fios de uma meada complexa, unidos com sabedoria e paixão para formar a peça de uma vida. Uma peça tornada mais bela ainda graças aos conhecimentos que o biógrafo demonstra sobre o cinema em geral e sobre os filmes de Oliveira em particular, permitindo-lhe mostrar que, mais do que a obra em si, está o homem e o seu pensamento, os conceitos ontológicos que defendia, as correntes artísticas como forma de expressão e, sobretudo, as convicções mais íntimas das quais nunca abdicou.
“Uma biografia é uma narrativa. E nesta, assim como na existência, há que decidir”, diz Paulo José Miranda num “antes de mais”, espécie de preâmbulo a este livro. Esta reflexão acabará por impor a sua verdade ao longo da obra da forma que mais interessa ao leitor, as decisões tomadas - “tomamos este caminho e não outro, esta decisão e não outra” - a revelarem-se acertadas, de tal forma vamos sentindo o livro em crescendo, empolgados com a presença e a jovialidade de um homem que, sempre a filmar, vence a barreira dos cem anos e segue em frente. Para os amantes da sétima arte - mesmo para aqueles que não têm a obra do realizador português na melhor das contas -, este é um livro precioso, cruzando a filmografia pessoal com o cinema de autor que foi sendo feito um pouco por todo o mundo, oferecendo apontamentos deliciosos sobre a vida de um e do outro lado da câmera, revisitando as reacções à exibição de cada um dos filmes e escutando aqueles que souberam elogiar o realizador ou, pelo contrário, o enxovalharam. No final o sentimento é de admiração, tanto pelo biografado como pelo biógrafo (para além da vontade de ver ou rever com urgência a obra completa de Manoel de Oliveira). Um livro essencial.
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