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domingo, 20 de junho de 2021

LIVRO: "Uma Volta ao Mundo com Leitores - Acordo Fotográfico"



LIVRO: “Uma Volta ao Mundo com Leitores - Acordo Fotográfico”,
de Sandra Barão Nobre
Ed. Relógio D’Água Editores, Maio de 2017


“Malai. É o que sou agora. Estrangeira. Estou em Timor-Leste. Cheguei via Darwin. Na sala de embarque, pouca gente. No entanto, as pessoas suficientes para encher a pequena aeronave. A maioria, homens com ar de quem vai trabalhar. A viagem é curta. Ao fim de pouco mais de uma hora, começo a avistar os contornos de Timor da pequena janela do Embraer a hélices que me trouxe. A imagem é incrível… Como é possível que eu esteja a ver Timor? Como é possível que eu tenha esta sorte, esta benção? Como posso eu merecê-la?”

No propósito de escrever uma recensão crítica a cada livro que leio, começo sempre por eleger um breve excerto que tenha um significado especial no contexto da história e que, de alguma forma, me tenha marcado durante a leitura. Todavia, nunca até hoje tinha experimentado tanta dificuldade em eleger esse momento “vital”, de tal forma encontrei em “Uma Volta ao Mundo com Leitores - Acordo Fotográfico” uma profusão de descrições apaixonadas, visões impressivas e reflexões significativas, cada uma delas merecedora de citação. Nessa busca, reencontrei-me com muitas das passagens do livro, dando-me conta do quanto ele me prendeu do princípio ao fim. É que Sandra Barão Nobre escreve com o coração, coloca as suas emoções acima da razão e leva-nos com ela numa viagem à descoberta do mundo e de nós próprios, o sonho a comandar a vida. O resultado é um livro habilmente balanceado entre o simples apontamento de viagem e o sentir mais íntimo, o encontro com leitores ocasionais nos mais diversas locais e circunstâncias a dar azo a histórias de enorme significado e beleza e a irmanar-nos nessa comunidade tão especial daqueles que vêem no livro um referente e uma companhia para a vida.

Nascida em França em 1972, Sandra Barão Nobre enfrentou, aos 31 anos de idade, um tremendo desafio. “Passar seis meses a lutar contra um cancro, em isolamento, num pequeno quarto a que pouquíssima gente tinha acesso”, pôs toda a sua vida em perspectiva. Vencido o monstro, as viagens entraram numa espiral crescente na sua vida. Entretanto, criou o “Acordo Fotográfico”, um projecto que associa o mundo da fotografia ao mundo dos livros e através do qual a autora homenageia o acto de ler. Dar a volta ao mundo de mochila às costas transformou-se numa necessidade primordial. Partiu em Março de 2014. Começou por Salvador da Bahia e colocou na Ilha de São Vicente, em Cabo Verde, um ponto final no seu périplo de seis meses por catorze países. No peito um turbilhão de emoções: “Tristeza por ver terminar um dos períodos mais felizes e mais enriqueceres da minha vida, sabendo que teria energia suficiente para continuar por mais seis meses. Gratidão pelo privilégio que foi poder realizar um sonho, ainda que tudo me pareça um sonho. Felicidade também. (…) Na certeza de que já não sou a mesma, regresso a casa”. Em Maio de 2017, a volta ao mundo tomava, enfim, a forma de livro.

Cores, cheiros, sons e sabores. Oferecidos em doses generosas, são eles os principais ingredientes de “Uma Volta ao Mundo com Leitores - Acordo Fotográfico”, num apelo aos sentidos em salas de leitura com anjos suspensos, catedrais atoladas de lixo e cera de velas por todo o lado, cemitérios que são autênticos labirintos psicadélicos, o chamamento do muezim para as orações, budistas que acumulam muito mau karma, campos de arroz e búfalos de água, o nascer do sol por detrás de Angkor Wat, saladas de fruta que mais parecem açúcar, sapateiros acidentais, ciclistas trajando o equipamento da selecção portuguesa, viagens de tuk-tuk que duram uma eternidade, microletes decoradas com autocolantes enormes do Real Madrid, relâmpagos e trovões, o som da bátega e o cantar do bem-te-vi. A Emma e o Pedro Henriques, a Georgia e o Liu, o Michael Robotham e a Cassandra Clare, tornam-se tão reais como a Chimamanda Ngozi Adichie e o George R. R. Martin, o Howard Jacobson e o John Green, o Franz Kafka e o Edgar Morim. Então, de olhos fechados e coração cheio, temos a certeza de que ler e viajar são estradas para a felicidade.

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