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terça-feira, 29 de junho de 2021

LIVRO: "História Natural da Destruição"



LIVRO: “História Natural da Destruição”,
de W.G. Sebald
Texto original | “Luftkrieg und Literatur” (1999)
Tradução | Telma Costa
Ed. Quetzal Editores, Março de 2017


“A quase total ausência de perturbação interna na vida íntima da nação alemã permite concluir que a nova sociedade federal renegou a experiência adquirida na sua História anterior segundo um mecanismo perfeito de recalcamento que lhe permitiu aceitar a sua emergência da degradação absoluta como verdade factual, mas ao mesmo tempo desligar-se por completo do seu acervo de emoções, quando não averbar mais uma página gloriosa por ter superado tudo com êxito e sem sinais de fraqueza.”

Ensaio de uma enorme lucidez, assente na tentativa de perceber os porquês de tão escassa produção literária na Alemanha do pós-guerra sobre o sofrimento infligido aos alemães pelas forças aliadas, traduzido numa onda destruidora sem precedentes e num número muito elevado de vítimas civis, “História Natural da Destruição” é um livro que se estende muito para além disso. Recuperando documentação vária, notas pessoais, observações, materiais, teses e, ainda, o teor de alguma correspondência trocada a propósito das Lições de Zurique (1997), W.G. Sebald partilha com o leitor a sua estupefação perante os factos, justificando-os com razões de enorme complexidade, nomeadamente uma certa vaidade dos alemães em mostrarem-se fortes e recuperados, assim como o sentimento generalizado de uma retaliação justificada pelos horrores cometidos durante o Terceiro Reich, dos quais Guernica foi apenas um prelúdio.

“É hoje difícil formar uma ideia sequer aproximada do volume da devastação que atingiu as cidades alemãs nos últimos anos da Segunda Guerra Mundial e mais difícil ainda pensar o horror ligado a essa devastação”, lê-se na abertura do primeiro capítulo deste livro. Quanto aos factos, traduzem-se em números e falam por si: Os registos do Gabinete Federal de Estatística e outras fontes oficiais mostram que, só a Royal Air Force, lançou, em 400 mil voos, um milhão de toneladas de bombas sobre o território inimigo, que das 131 cidades atacadas, algumas uma só vez, outras repetidamente, muitas foram quase totalmente arrasadas, que 600 mil civis alemães caíram vítimas da guerra aérea, que três milhões e meio de habitações foram destruídas, que no fim da guerra havia sete milhões e meio de desalojados, e por aí fora. Sem imaginar o verdadeiro significado dos números, percebemos, pelo menos, que a história de vencedores e vencidos não nos é contada da mesma forma.

A humilhação sem precedentes de um povo que, no auge da sua loucura expansionista, protagonizava um domínio crescente sobre um vasto conjunto de territórios, não será suficiente para explicar que essa derrocada tenha sido apagada da memória alemã e ignorada pela literatura do pós-guerra no país. Há muito trabalho por fazer, muita discussão por encetar. Sabemos, isso sim, que aqueles que nasceram depois do conflito, se quisessem confiar apenas nos testemunhos dos escritores, dificilmente poderiam formar uma ideia da extensão, natureza e consequências da catástrofe que os bombardeamentos aéreos fizeram cair sobre a Alemanha. Sebald apelida-o de “défice escandaloso”, recordando-se de ter crescido com a sensação de que algo lhe era ocultado, em casa, na escola e também por parte dos escritores alemães cujos livros leu na esperança de colher mais informação sobre os acontecimentos monstruosos que ocupavam o pano de fundo da sua vida. "História Natural da Destruição" é um livro que, pondo a nu uma parte incómoda da História da humanidade, nos vem lembrar o quão importante é multiplicarmos os nossos pontos de vista no momento de ajuizar de forma livre e imparcial.

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