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domingo, 7 de março de 2021

LIVRO: "O Infinito num Junco"



LIVRO: “O Infinito num Junco”,
de Irene Vallejo
Texto original | “El infinito en un junco. La invención de los libros en el mundo antíguo”, 2019
Tradução | Rita Custódio e Alex Tarradellas
Ed. Bertrand Editora, Outubro de 2020


“Se alguém lê para ti, deseja o teu prazer; é um acto de amor e um armistício no meio dos combates da vida. Enquanto ouves com atenção sonhadora, o narrador e o livro fundem-se numa única presença, numa só voz. E, da mesma forma que o teu leitor modula para ti as inflexões, os sorrisos ténues, os silêncios e os olhares, a história também é tua por direito inalienável. Nunca esquecerás quem te contou uma boa história na penumbra de uma noite.”

Depois de todas as agonias da dúvida, depois de esgotar os adiamentos e os álibis, numa tarde quente de julho Irene Vallejo enfrenta a solidão da página em branco. Decide abrir o seu texto com a imagem de uns enigmáticos caçadores à espreita da presa. Identifica-se com eles, com a sua paciência, o seu estoicismo, os seus tempos perdidos, a lentidão e a adrenalina da procura. Trabalhou durante anos como investigadora, a consultar fontes, a interpretá-las, a tentar conhecer o material histórico. No momento da verdade, porém, a história real e documentada que vai descobrindo parece-lhe tão surpreendente que invade os seus sonhos e ganha, sem que o pretenda, a forma de um relato. Por isso entra na pele dos caçadores de livros nos caminhos de uma Europa antiga, violenta e convulsa. Está lançada a viagem.

Estamos no século III a. C. e Alexandria, a “cidade dos prazeres e dos livros”, é o ponto de partida deste extraordinário “O Infinito num Junco”. Como numa cruzada, acompanhamos a autora nessa viagem em busca de manuscritos perdidos, histórias desconhecidas e vozes prestes a emudecerem. Vamos no rasto de todos os livros como se fossem peças de um tesouro disperso. Vamos ao encontro dos alicerces do nosso mundo tal como o conhecemos. O resultado é um ensaio que se confunde com um romance, um livro extraordinariamente acessível à nossa compreensão, que nos coloca nos passos de Alexandre Magno e Ptolomeu, de Aristóteles, o primeiro colecionador de livros, de Eumenes e Sócrates, Ovídio, Piranesi, Escher, Borges, Kaváfis, Cervantes, Bradbury, Kurosawa ou os “hobbits” Frodo e Sam. Um livro que nos convida a visitar o antigo Egipto, Atenas e Roma, Berlim, Oxford ou Florença, onde Irene Vallejo folheou um pergaminho de Petrarca na Biblioteca Riccardiana, daí nascendo, quem sabe, o impulso de escrever este livro.

Da primeira à última página, “O Infinito num Junco” é uma sucessão de surpresas que a autora desvenda delicadamente, ligando-as à realidade actual com toda a simplicidade e clareza, fazendo repousar sobre elas as observações mais pertinentes e pontuando-as com um fino sentido de humor. No centro das atenções, o livro surge como um farol, legando-nos ideias com centenas ou milhares de anos que tudo fazemos por preservar: a igualdade entre os seres humanos, a possibilidade de escolher os nossos dirigentes, a intuição de que talvez as crianças estejam melhor nas escolas do que a trabalhar, a vontade de usar – e diminuir – o tesouro público para cuidar dos doentes, dos idosos e dos mais fracos. Elogio ao livro e a todos quantos, desde a Antiguidade, o mantêm vivo, “O Infinito num Junco” é uma verdadeira preciosidade, uma prova de amor à palavra, uma obra de leitura indispensável.

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