LIVRO: “A Cidade das Livrarias Mortas”,
de Francisco Duarte Mangas
Editor | Carlos da Veiga Ferreira
Ed. Teodolito, Fevereiro de 2020
“Aos treze anos vi pela primeira vez o Porto, e nesta casa entraria como marçano. Hoje, na primavera de dois mil e dezoito, conto oitenta e três: a piada do casado sinónimo de mártir da liberdade, creio não estar em erro, a contava o meu antigo patrão, homem decente, ensinou-me quase tudo da arte de velar o silêncio das palavras, de cuidar milhares e milhares de livros, formidável rebanho, muito mais abundante do que as reses do ‘reino maravilhoso’.”
Juntando, num espaço bem delimitado da cidade do Porto, o neto de um camaroteiro do Teatro S. João, um poeta jovem e um poeta mais velho, um experimentado alfarrabista, um inquilino rabugento, um sem abrigo pacífico, um alegado ladrão de livros, o proprietário de um apartamento de alojamento local, o Presidente da Confraria dos Tascos e o “homem do capacete”, entre outros, “A Cidade das Livrarias Mortas” transporta-nos a um passado que é presente e que arrasta consigo grandes mudanças. É o tempo de uma cidade tornada invisível por força do turismo de massas, a peste bubónica e o cordão sanitário de há um século, ao tempo de Ricardo Jorge, a tomarem hoje a forma das gruas que se multiplicam sobre os prédios, das malas com rodinhas que raspam os passeios, das barbearias que são extensões de bares e petiscarias ou das cosmopolitas filas que se acumulam à porta da Livraria Lello.
Não deixa de ser irónico, num tempo em que se proíbem as livrarias de vender livros como se de ilícitos se tratasse, que Francisco Duarte Mangas nos venha alertar para o drama das “livrarias mortas”. Nos meandros de uma realidade que conhece bem – além da forte ligação à cidade é Presidente da Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto -, o autor junta a sua a outras vozes por uma causa a todos os títulos meritória, onde a palavra resistência é levada à letra, o dedo apontado à pressão imobiliária que enxota inquilinos de qualquer tipo e aos novos espaços de venda de livros com os quais as livrarias tradicionais têm muito poucas hipóteses de competir. Numa prosa viva e recheada de momentos bem humorados, Francisco Duarte Mangas oferece-nos o retrato de um Porto que se quer liberal, um Porto que resiste e onde se conspira nos recôncavos de cafés ou nas páginas de revistas clandestinas (“venda directa, quatro euros”). Gorki passeia-se por aqui. “Saúude”!
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