LIVRO: “O Angolano Que Comprou Lisboa (por metade do preço)”,
de Kalaf Epalanga
Ed. Editorial Caminho, Maio de 2015
“Angola, tenho-te ciúmes, os mesmos no qual vivem entregues, no alto do seu amor febril, todos os amantes deste mundo. Se não fosse teu filho te pedia em namoro, te fazia pedido, alambamento e todos os mambos, e adoptava todos os filhos que pariste, cujos pais se fizeram ausentes, uns deportados para as Américas em navios de negreiros, uns desaparecidos em combate, e outros simplesmente que te voltaram as costas e te deixaram mais viúva do que mulher de finado.”
Nesse seu ofício de forjar palavras para contar estórias, Kalaf Epalanga fala-nos com amor desta terra de acolhimento onde passeia a sua angolanidade. Histórias que falam do útil e do fútil, de quantas gramas pesam os sonhos, do porquê de acreditar no poder dos contraceptivos quando se é nómada e, tal como os marinheiros, das paixões que se desdobram em cada porto. São histórias que contam a nacionalidade que se carrega na cor da pele, o reconhecer na pele do outro aquela que habitamos, o nosso chão. Histórias que nos levam ao encontro do calulu, do funge, do mufete e da kissângua, que nos confrontam com o aroma do dendém perfumando o ar e convocando a nostalgia e a saudade. Histórias que trepidam na malemolência ritmada da Kizomba e coram no apelo carnal da Tarraxinha (mas que nos falam igualmente da humilhação de ser barrado à entrada de um espaço de diversão nocturna).
Para além da multiculturalidade que se descobre ao virar de cada página, “O Angolano Que Comprou Lisboa (por metade do preço)” oferece igualmente um valioso contributo sociológico para que possamos compreender este lugar a que chamamos casa. Um lugar economicamente falhado, a atravessar a pior crise da sua História, Passos e Cavaco a enterrarem a esperança de milhões de portugueses e a mandá-los emigrar. Então percebemos que não há muito a separar portugueses e angolanos naquilo que há de pobreza e da sua aliada fragilidade. Somos todos um bando de sobreviventes com uma paciência infinita, uma multidão de espectadores que deixa que os seus líderes – temidos, celebrados, bajulados – decidam as regras, ante uma colectiva indiferença. Mas talvez isto sejam só mujimbos.
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