LIVRO: “António Variações – Entre Braga e Nova Iorque”,
de Manuela Gonzaga
Ed. Bertrand Editora, Junho de 2018
“ – Era muito especial. Tinha péssimo feitio, era trombudo, antipático e... fascinante. Uma pessoa dizia-lhe ‘eu quero isto ou aquilo’ e ele respondia: ‘não quer nada, quem decide sou eu’. Alguém avisava que estava com pressa e ele respondia ‘se está com pressa, vá-se embora’. Eu fazia sempre questão de cortar o cabelo com ele, mas sentava-me e não abria a boca. Olhava-o pelo espelho e pensava ‘este ser não é daqui’. Parecia um anjo. Um anjo maldisposto, mas... um anjo.”
António Variações é daquelas figuras icónicas que, quanto mais o tempo passa, mais se imiscui na alma da gente. Nascido em 03 de Dezembro de 1944 em Fiscal, Amares, teve uma infância brevíssima em tempos muito duros, os abalos provocados pela II Guerra Mundial a atingirem de forma impiedosa o nosso País e a porem a nu as marcas da pobreza e das desigualdades. Com 11 anos apenas rumou a Lisboa, a casa de um familiar afastado, para trabalhar como marçano. Começa aqui uma vida de descobertas e de conquistas que o levaram a Londres e a Amsterdão antes de novo regresso a Lisboa onde se estabeleceu como barbeiro e foi ensaiando a subida definitiva aos palcos da fama. Depois são os avanços e recuos de uma carreira controversa, os amigos e os outros, um enorme sofrimento interior que se adivinha em muitas das suas tomadas de decisão, até ao trágico desfecho da sua morte nos Cuidados Intensivos do Hospital da Cruz Vermelha, vencido por uma broncopneumonia bilateral aguda fulminante.
Numa escrita cuidada, reveladora de um enorme respeito e carinho pelo artista, Manuela Gonzaga mostra-nos um António Variações “de uma genuína delicadeza, de uma imensa sensibilidade e de um enorme sentido de humor a raiar o cáustico”, ao mesmo tempo que recorda um tempo e uma sociedade a erguer-se das sombras da ditadura e a abraçar a novidade com um misto de desconfiança e ilusão. Da movida de Lisboa ao tempo de Variações, a autora oferece-nos retratos nítidos, no centro dos quais situa essa “figura apaixonante no deserto desta cidade tão provinciana na época, com uma meia de cada cor, os roupões, o fato-macaco, os sapatos diferentes, o visual tão criativo e tão fantástico.” É um livro que se lê de um fôlego, que a um tempo nos diverte e nos comove, que respeita a verdade e cumpre da melhor forma o objectivo de mostrar Variações naquilo que foi e no que deixou de legado seu. Um livro precioso.
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