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segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

LIVRO: "Um Tempo a Fingir"



LIVRO: “Um Tempo a Fingir”,
de João Pinto Coelho
Edição | Maria do Rosário Pedreira
Ed. Publicações Dom Quixote, Outubro de 2020


“Uns metros à minha esquerda, senti a presença de alguém. Virei-me de chofre e deparei com a mulher mais deslumbrante que alguma vez encontrara. E não, não era uma; eram duas, três, dez, mil mulheres como ela, espalhadas por todo o lado, cada uma no seu espelho. Quando percebi quem eram, levei a mão à boca, e todas elas me imitaram.”

Depois do muito prometedor “Perguntem a Sarah Gross” e dessa belíssima confirmação intitulada “Os Loucos da Rua Mazur”, vencedora do Prémio Leya em 2017, João Pinto Coelho brinda-nos com “Um Tempo a Fingir”, um livro que não pode deixar de constituir uma decepção. Com a fasquia colocada a um nível deveras elevado, confesso que esperava muito mais deste livro. Sobretudo porque o autor fazia questão de mostrar logo na capa – de gosto bastante discutível, diga-se – a sua intenção de voltar a um tempo sobre o qual se vem documentando a fundo, criando legítimas expectativas quanto à possibilidade de, à boleia do romance, o leitor ver o seu conhecimento aumentado sobre um dos momentos mais trágicos da história da humanidade. Pura ilusão.

A estranheza começa nas primeiras páginas e vai-se transformando em desencanto à medida que adentramos o livro. A escrita arrasta-se e o leitor impacienta-se. Aquilo que poderia ser dito em três ou quatro páginas, leva dezenas e dezenas a ser feito. João Pinto Coelho demora eternidades a encontrar o tom justo para desenhar as suas personagens e só o mágico Peppino acaba por “destoar” numa galeria de retratos que permanecerão inacabados. Pior do que isso: Rapidamente se intui que a história girará em torno de uma vingança, o espaço e o tempo em que decorre resumidos à condição de mero cenário. É numa aldeia da Toscânia em plena II Guerra Mundial, como poderia ser noutro lugar ou noutro tempo qualquer, a dimensão expressa na sinopse e que dá conta de “um mundo virado do avesso em que se transformou a Itália de Mussolini” a revelar-se uma falácia.

Largamente anunciada, a vingança servir-se-á fria. Em vez de corresponder ao esperado climax, porém, o impacto desse momento tem o valor de um visto mais na check-list de banalidades previsíveis em que a parte final do livro se transforma. Mais do que o desconsolo, paira no ar o desconforto de quem confiou e quase se sente traído. O autor pressente-o? Talvez. A “Nota de Autor” final tem um certo sabor a pedido de desculpa. Que se compreende e até, talvez, se aceite. “É verdade: o último terço foi escrito em tempos grotescos, dias seguidos longe das ruas e das pessoas, uma distância difícil de que esperava distrair-me só por me sentar a escrever. Estúpida ilusão. (...) Por cada página escrita, metade não resistiu, e o original foi entregue com um atraso considerável”, diz. Louve-se, ao menos, a sua franqueza. E que atire a primeira pedra o escritor que não tem, no conjunto da sua obra, “um livro a fingir”.

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