Páginas

domingo, 18 de outubro de 2020

TEATRO: "A Idade do Silêncio"



TEATRO: “A Idade do Silêncio”
Criação e direcção | Julieta Aurora Santos
Interpretação | Luís João Mosteias e Sérgio Santos
Marionetas | Lukasz Trzcinski
Cenografia | Luís Santos, Carlos Campos
Figurinos | Sandra Santos, Adriana Freitas
Produção | Teatro do Mar
Duração | 40 minutos
Cine-Teatro de Estarreja
17 Out 2020 | sab | 21:30


“Testemunhámos de perto as rotinas de idosos institucionalizados. Disponibilizámo-nos a simplesmente estar, sem grandes perguntas, nem invasões, a ouvir mesmo sem entender, a procurar olhar para lá do que se vê. Observámos aquele universo muito particular, sabendo que eventualmente um dia faremos parte do mesmo, se o corpo resistir. Vivemos numa tensão entre a permanência e a transitoriedade na vida e uma total impotência face à nossa condição de finitude.”

Ver “A Idade do Silêncio” é respirar. Respirar, como forma de nos convencermos que ainda estamos vivos. Porque é de vida que a peça nos fala, uma vida que corre a cada segundo e que a cada segundo nos põe um passo à frente daquilo que fomos, daquilo que somos. É um lento escoar da areia numa ampulheta com o preciso tempo de cada um. É a realidade de um momento cada vez mais próximo, que esforçadamente fazemos por atrasar mas que nos aguarda, impassível, insensível aos nossos apelos, súplicas e gritos. E é a certeza da nossa finitude quando o quotidiano se abala com a constatação da finitude do outro.

São vários os méritos de Julieta Aurora Santos na forma como cria e dirige a peça. Pegar num tema tão delicado como a morte e decidir pesá-lo recorrendo ao tempo é um acto de ousadia. Fazê-lo rejeitando a caricatura ou o cliché de mau gosto, um acto de resistência. Manter-se fiel à verdade que habita a terceira idade, um acto de amor. As opções cénicas são adequadas a um ambiente que se quer despojado, o recurso às marionetas a revelar-se precioso pela diversidade de leituras que abre, o novo que vive no velho e lhe serve de sustento a impor-se como a mais imediata e a que se desenvolve com mais força. E há ainda o trabalho do marionetista-actor, com Luís João Mosteias e Sérgio Santos a revelarem-se preciosos de rigor e contenção.

As últimas palavras encerram uma declaração de princípios. Se vier a ser velho e, mais ainda, um velho institucionalizado, deixem-me ver esta peça (se a encenadora não fizesse esta peça também para os mais idosos, o programa mencionaria “para menores de 75 anos” ou algo parecido). Deixem-me também ver Büchner e Tcheckov e Strindberg e Shakespeare e todos os outros que, com as suas peças, nos falam da morte. Por favor, não decidam por mim o que posso e não posso ver. Não usem do poder que vos assiste (ou julgam assistir) para censurar, coartar e tolher a minha liberdade. E não me incluam nessa massa anódina dos “nossos idosos”, porque ninguém é de ninguém. Só mais uma coisa: Por favor, mas por favor mesmo, não me ponham três horas ou lá quantas são a ver o programa da Cristina.

[Foto: Alípio Padilha | http://teatrodomar.com/web/]

Sem comentários:

Enviar um comentário