LIVRO: “Quando Perdes Tudo Não Tens Pressa de Ir a Lado Nenhum”,
de Dulce Garcia
Ed. Guerra e Paz Editores, Fevereiro de 2017
“Eu sei que vou sofrer / A eterna desventura de viver / A espera de viver ao lado teu / Por toda a minha vida”. As palavras na voz de rebuçado de António Carlos Jobim são como pinceladas coloridas e breves que, em vão, tentam disfarçar os contornos desalinhados de dois corações partidos e colados com cuspe. Um belo filme, concordaríamos, à medida que o genérico final passa no ecrã e a música vai mergulhando no mais fundo de nós, as imagens fortes do drama em que se tornou a vida dos amantes bem presentes na memória. Só que não é de um filme que falo, antes de um livro. Um belo livro, direi então, agora que acabo de virar a derradeira página e de o cerrar sobre si mesmo. Daí o estar grato a Dulce Garcia pela verdade que se derrama da sua escrita e que tão bem soube transpor para este romance. Uma verdade que se assume a cada instante, nas lágrimas como no riso, na dor como no amor.
Numa longa confissão, “ela” e “ele” irão deixar-nos a sua história. Ela é Isabel. Ele é Afonso. Ambos são casados quando se conhecem, se apaixonam e decidem levar por diante a sua paixão. Não o planearam, um amor assim não se planeia, simplesmente acontece. Da mesma forma que não se planeia tudo o que vem a seguir, as partidas que o destino decide pregar aos dois, levando-os do céu ao inferno enquanto o diabo esfrega um olho. Tudo seria tão mais simples se as equações tivessem duas partes apenas. Um amor e uma cabana, que tal? Mas não. A vida que se quer vivida mansamente não é vida se não tiver a sua dose de reconhecida dor e sofrimento. Junte-se-lhe a chantagem, a mentira, a maledicência, a perfídia, a difamação, o embuste, a calúnia e um cem número de pulhices nas quais a natureza humana é fértil e, num ápice, o fogo arde e vê-se, a ferida dói e sente-se. O descontentamento e o desatino fazem parelha com a angústia e o desespero. Olhas para o lado e estás sozinho. E nesse momento dás-te conta de que não tens pressa de ir a lado nenhum.
A cada um dos amantes a sua verdade, apetece dizer, não havendo nisto nada de antagónico. Embora a estrutura narrativa do romance se baseie na comparação e complementaridade de histórias e de pontos de vista, Dulce Garcia não nos pede para confrontarmos os dois amantes com as suas eventuais falhas ou contradições, como se de uma acareação se tratasse. Tudo flui de forma natural, permitindo ao leitor identificar-se com as situações e criar cumplicidades. A beleza do livro está nessa força geradora de emoções que nos obriga a entrar nas suas páginas, ao encontro de pessoas que de repente passámos a conhecer e a compreender. Pessoas que não conseguem apagar a dor dando voltas ao quarteirão em noites de chuva, fumando cigarros atrás de cigarros ou bebendo duas garrafas de vinho até caírem para o lado. Pessoas que sofrem e que precisam do nosso abraço. E nós queremos estar lá para as abraçar.
de Dulce Garcia
Ed. Guerra e Paz Editores, Fevereiro de 2017
“Se tu chegasses agora aqui, e eu me virasse e desse com a tua figura ainda familiar, o teu cabelo escuro despenteado, as pernas magras dentro de umas calças de ganga surradas, o meio sorriso entre os cinco anos e vários séculos de decepção, o que será que eu diria? Não faço ideia. Estou há meses há tua espera e nem ensaiei um discurso para o caso de voltares. Quererá isto dizer que já não te espero? Que na verdade nunca te esperei?”
“Eu sei que vou sofrer / A eterna desventura de viver / A espera de viver ao lado teu / Por toda a minha vida”. As palavras na voz de rebuçado de António Carlos Jobim são como pinceladas coloridas e breves que, em vão, tentam disfarçar os contornos desalinhados de dois corações partidos e colados com cuspe. Um belo filme, concordaríamos, à medida que o genérico final passa no ecrã e a música vai mergulhando no mais fundo de nós, as imagens fortes do drama em que se tornou a vida dos amantes bem presentes na memória. Só que não é de um filme que falo, antes de um livro. Um belo livro, direi então, agora que acabo de virar a derradeira página e de o cerrar sobre si mesmo. Daí o estar grato a Dulce Garcia pela verdade que se derrama da sua escrita e que tão bem soube transpor para este romance. Uma verdade que se assume a cada instante, nas lágrimas como no riso, na dor como no amor.
Numa longa confissão, “ela” e “ele” irão deixar-nos a sua história. Ela é Isabel. Ele é Afonso. Ambos são casados quando se conhecem, se apaixonam e decidem levar por diante a sua paixão. Não o planearam, um amor assim não se planeia, simplesmente acontece. Da mesma forma que não se planeia tudo o que vem a seguir, as partidas que o destino decide pregar aos dois, levando-os do céu ao inferno enquanto o diabo esfrega um olho. Tudo seria tão mais simples se as equações tivessem duas partes apenas. Um amor e uma cabana, que tal? Mas não. A vida que se quer vivida mansamente não é vida se não tiver a sua dose de reconhecida dor e sofrimento. Junte-se-lhe a chantagem, a mentira, a maledicência, a perfídia, a difamação, o embuste, a calúnia e um cem número de pulhices nas quais a natureza humana é fértil e, num ápice, o fogo arde e vê-se, a ferida dói e sente-se. O descontentamento e o desatino fazem parelha com a angústia e o desespero. Olhas para o lado e estás sozinho. E nesse momento dás-te conta de que não tens pressa de ir a lado nenhum.
A cada um dos amantes a sua verdade, apetece dizer, não havendo nisto nada de antagónico. Embora a estrutura narrativa do romance se baseie na comparação e complementaridade de histórias e de pontos de vista, Dulce Garcia não nos pede para confrontarmos os dois amantes com as suas eventuais falhas ou contradições, como se de uma acareação se tratasse. Tudo flui de forma natural, permitindo ao leitor identificar-se com as situações e criar cumplicidades. A beleza do livro está nessa força geradora de emoções que nos obriga a entrar nas suas páginas, ao encontro de pessoas que de repente passámos a conhecer e a compreender. Pessoas que não conseguem apagar a dor dando voltas ao quarteirão em noites de chuva, fumando cigarros atrás de cigarros ou bebendo duas garrafas de vinho até caírem para o lado. Pessoas que sofrem e que precisam do nosso abraço. E nós queremos estar lá para as abraçar.
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