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sábado, 1 de agosto de 2020

CINEMA: Shortcutz Ovar 2020 | Sessão #39



CINEMA: Shortcutz Ovar Sessão #39
Escola de Artes e Ofícios 
90 Minutos | Maiores de 16 anos
30 Jul 2020 | qui | 22:00 


A primeira parte da temporada 2020 do Shortcutz Ovar chegou ao fim na noite da passada quinta feira com a exibição de três curtas-metragens correspondentes à Sessão #39 do certame. Antes das merecidas férias, o público voltou a esgotar o espaço da Escola de Artes e Ofícios, renovando o seu voto de confiança na equipa liderada por Tiago Alves, Ana Vila Real e Victor Fernandes. Tal como nas sessões anteriores, também esta ficou marcada por uma fortíssima unidade temática, desta vez centrada no corpo - imperfeito por natureza, excessivo por impulso, ambíguo por convicção e teimosia. Misturando habilmente o real e o imaginário em géneros tão díspares como a animação, o documentário e a ficção, as obras apresentadas deram a primazia aos sentidos, oferecendo espaço à angústia e ao medo, mas proporcionando, também, momentos de uma imensa felicidade nas visões muito pessoais dos três jovens realizadores sobre assuntos que teimam em marcar a agenda destes dias conturbados, como a interrupção voluntária da gravidez, o envelhecimento ou a deficiência física.

Com direcção e animação de Maria Trigo Teixeira, “Inside Me” abriu a noite. Partindo de uma história real, esta curta de pouco mais de 5 minutos leva-nos ao encontro de Anna, 19 anos, jovem mulher a sós com os seus fantasmas no momento de decidir interromper uma inesperada gravidez. Com a sociedade e a família num dos pratos da balança e a sua própria vontade no outro, Anna vê-se confrontada com uma decisão que irá marcá-la para o resto da vida, acabando por se manter firme nas suas certezas, acreditando estar preparada para assumir verdades e consequências. Projecto final de curso na Escola de Cinema Babelsberg Konrad Wolf, em Potsdam, esta animação vive duma estética marcadamente minimalista e que faz realçar os sentimentos contraditórios que alimentam a história e pontuam a mensagem. No seu traço cru e impreciso, bruto, nas figuras em constante mutação e num complexo conjunto de signos, encontra “Inside Me” o suporte adequado a um texto muito forte. Na forma como se manifestou no espaço de perguntas e respostas, o sublinhado do público revelou-se eloquente.

“Estas Mãos São Minhas” é um documentário sob a forma de foto-filme da autoria de André Miguel Ferreira. Inspirando-se no exemplo de Agnès Varda (e, quem sabe, de Nan Goldin, Jean-Luc Godard ou do inevitável Chris Marker), o realizador tira partido da fotografia como narrativa fílmica para nos apresentar a sua avó, Adelaide Ribeiro, uma mulher que persiste nessa estranha rotina de, há dezanove anos, fazer a mesma viagem duas vezes por semana com o propósito de ir dançar. O texto, escrito e narrado pelo próprio André Miguel Ferreira, exprime a profunda admiração deste neto pela sua avó, nessa busca incessante pelo “ver o que tu vês, acreditar no que tu acreditas”. A fotografia surge, então, como um reforço da memória neste catalisar de emoções que caucionam o real. Intensas, profundas, as palavras destacam a efemeridade da vida face a um tempo que teima em correr célere. No final fica a dúvida, sob a forma de um ponto de interrogação: “Estas Mãos São Minhas” ou “Estas Mãos São Minhas?”

Depois de, em 2017, ter arrebatado o prémio de Melhor Curta da edição inaugural do Shortcutz Ovar com “Campo de Víboras”, Cristèle Alves Meira regressou à nossa cidade para apresentar “Invisível Herói”, o seu mais recente trabalho. Co-produção franco-portuguesa, com argumento da própria Cristèle Alves Meira, este filme promete não ficar por aqui no que temos de Shortcutz até ao final da temporada. É que é tão, mas tão bom! Esta história de Duarte, um invisual, na sua demanda pelo cabo-verdiano Leandro, é sublime no que prova daquilo que o Cinema é capaz. Desde logo, pela forma como pode ligar-se a todas as outras formas de arte, a literatura a assumir aqui um papel fundamental, o imaginário, a poesia, a viagem (“ler um livro é viajar”, ouve-se), Fernando Pessoa a correr a curta de fio a pavio. Mas também a fotografia e a música – do fado à “chanson française” ou à morna. Duarte Pina é precioso na verdade e autenticidade que dele se derramam, mas Lucília Raimundo, essa Luz que se abre sobre o mundo de Duarte, não o é menos. Toda a sequência final é duma beleza transcendental, as palavras de Sabrina Marques a baterem ao ritmo do coração: “(...) a passarada subindo e o Leandro suando na passada arrastando / a geleira, descruzando a areia, somando à canseira / grita porque ganhar’é preciso / sabe no corpo que não dá p’a ter prejuízo”. E o tanto que fica por dizer!... 

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