TEATRO: “O Dia do Juízo”
Texto | Ödön Von Horváth
Versão e dramaturgia | Cristina Carvalhal, Pedro Filipe Marques
Encenação | Cristina Carvalhal
Cenário e figurinos | Ana Limpinho, Maria João Castelo
Música | Sérgio Delgado
Vídeo | Pedro Filipe Marques
Interpretação | Carlos Malvarez, Cucha Carvalheiro, Eduardo Frazão, Ivo Alexandre, Júlia Valente, Manuela Couto, Paulo Pinto, Pedro Lacerda
Produção | Causas Comuns, Teatro Nacional São João, São Luiz Teatro Municipal
90 Minutos | Maiores de 12 anos
Teatro Carlos Alberto
20 Fev 2020 | qui | 21:00
Dois anos depois da adaptação teatral de “Elizabeth Costello”, um romance do Nobel da Literatura J. M. Coetzee, Cristina Carvalhal regressou ao Porto com “O Dia do Juízo”, do dramaturgo Ödön von Horváth. A peça narra a história de um respeitado e acarinhado chefe de estação de comboios que, numa noite à partida igual a tantas outras, é distraído por um imprevisível beijo de uma jovem, falhando um sinal de aviso a um comboio que passava na estação. Esta falha terá como consequência a morte de dezoito pessoas, entre as quais o condutor do comboio que acabará por ser considerado culpado do acidente. É que, entre voltas a travessas, a jovem decide prestar um falso testemunho e afirmar que terá visto o chefe da estação a dar o sinal, acabando por inocentá-lo em tribunal. Mas será que o chefe da estação e a jovem que o beijou conseguirão viver com esta mentira?
Poderíamos começar por falar deste dramaturgo citando-lhe uma frase lapidar: “Em todas as minhas peças tentei afrontar impiedosamente a estupidez e a mentira.” Se acrescentarmos a esta brutalidade uma ternura pelas insuficiências humanas e um corrosivo sentido de humor, abeiramo-nos do tom dominante da obra de Horváth e, em particular, deste “O Dia do Juízo”. A peça poderia facilmente confundir-se com um vulgar drama burguês, protagonizado por um imprevisto “triângulo amoroso, mas vai adquirindo, à medida que progride, a densidade de uma parábola sobre a culpa e a inocência, problematizando a responsabilidade individual no dia-a-dia de uma comunidade.
O recurso à linguagem vídeo almeja a ser um dos elementos estruturantes do espetáculo, concretizando a dimensão fantasmática da culpa ou, dito de outro modo, “materializando” a presença inusitada do “além”. Aqui reside, porém, a grande fragilidade da encenação, visto que a peça deveria poder valer-se por si só, sem artifícios ou muletas que nada têm a ver com teatro. Mais do que acrescentar, o vídeo serve para distrair, ampliando propósitos que deveriam chegar de forma natural à razão do espectador. Juntando a isso a convencionalidade da encenação e uma multiplicidade de questões paralelas - a proliferação das redes sociais, o papel do jornalismo, a manipulação da opinião pública, os populismos, o ódio e a xenofobia, a crise económica e as suas consequências nos serviços públicos, entre outros – que ficam por concretizar, temos que este “O Dia do Juízo” se mostra um trabalho desinteressante e que não faz jus à qualidade e relevância da obra de Horváth.
[Foto: Estelle Valente | facebook.com/TeatroNacionalSaoJoao/photos/]
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