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quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

CINEMA: "Graças a Deus"



CINEMA: “Graças a Deus” / “Grâce à Dieu”
Realização | François Ozon
Argumento | François Ozon
Fotografia | Manuel Dacosse
Montagem | Laure Gardette
Interpretação | Melvil Poupaud, Denis Ménochet, Swann Arlaud, Éric Caravaca, François Marthouret, Bernard Verley, Josiane Balasko, Martine Erhel, Hélène Vincent, François Chattot, Frédéric Pierrot
Produção | Eric Altmayer, Nicolas Altmayer
França, Bélgica | 2018 | Crime, Drama | 137 Minutos | Maiores de 14 anos
UCI Arrábida 20 – Sala 7
17 Dez 2019 | ter | 16:10


“Não devemos ter medo de ter medo; medo pelos nossos filhos”. Dita assim, de chofre, logo no início do filme, esta frase como que marca “Graças a Deus”, o polémico filme de François Ozon e que chega agora às salas de cinema portuguesas. Mas polémico porquê? Por enfrentar, de forma corajosa, os problemas e apontar caminhos para os solucionar? No essencial, a trama do filme oferece-nos três testemunhos correspondentes a outros tantos indivíduos, um da alta burguesia, outra da classe média e ainda outro de extractos sociais mais baixos. Trata-se de um trio de vítimas que representam as dezenas e dezenas de outras crianças, hoje homens adultos, molestados sexualmente pelo padre Bernard Preynat, sacerdote da diocese de Lyon, que teve a seu cargo, ao longo de muitos anos, a gestão dos acampamentos infantis e cujas actividades eram do conhecimento dos seus superiores ecleciásticos, sendo o próprio padre Preynat o primeiro a reconhecer abertamente os seus actos imorais.

Em “Graças a Deus”, Ozon lança mão da sua proverbial destreza no campo do thriller, para injectar dinamismo e emoções fortes num conjunto de testemunhos referentes a um caso real muito recente, de múltiplos abusos sexuais no seio da Igreja Católica, cujos membros, no filme, se constituem numa autêntica seita de pedófilos, empenhados em garantir a enorme e eterna rede de silêncio em torno das suas actividades. Estamos aqui perante uma obra recheada de motivos de interesse e que corresponde ao estilo aguerrido e inconformista que marca a carreira deste realizador, não apenas um dos mais prolixos do cinema europeu mas também um dos mais talentosos e dos poucos que se mantêm no activo e em cujo currículo encontramos uma enorme variedade de assuntos – e eficácia retórica – no que à sua obra se refere.

Com enorme subtileza, François Ozon evita os estereótipos e as explicações desnecessárias, mesmo quando confronta o espectador com as situações mais delicadas, nomeadamente esse dedo apontado às hierarquias católicas, a começar pelo cardeal Philippe Barbarin, máxima autoridade religiosa em Lyon, e pela sua assistente pessoal, Régine Maire, e a finalizar com o Papa no Vaticano. O cineasta não se coíbe, ainda, de incluir nesta análise a mais que evidente complacência silenciosa das famílias das vítimas – sobretudo pais e irmãos -, em contraciclo com aquilo que os grupos afectados souberam construir por conta própria, num ambiente de incentivo à comunicação e à partilha, em vez da gritaria histérica que acaba, geralmente, por redundar em nada. Saúde-se o filme e o realizador pela coragem de denunciar, de forma séria, os podres da Igreja Católica, sem cair na tentação do sensacionalismo e da vulgaridade. Um belo filme a fechar o ano!

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