TEATRO: “Vidas Íntimas”,
de Noël Coward
Tradução | Miguel Esteves Cardoso
Encenação | Jorge Silva Melo
Cenografia | Rita Lopes Alves e José
Manuel Reis
Figurinos | Rita Lopes Alves
Interpretação | Rúben Gomes, Rita
Durão, Tiago Matias, Vânia Rodrigues, Isabel Muñoz Cardoso
Produção | Artistas Unidos
90 Minutos | Maiores de 12 anos
Teatro Nacional de S. João
Teatro Nacional de S. João
14 Nov > 01 Dez 2019
O final de tarde de quarta feira é o
meu momento de teatro por excelência. Longe da “conflitualidade” das múltiplas propostas de fim de semana, este dia e esta hora são ideais
para apreciar uma boa peça, numa boa sala como é a do Teatro
Nacional de S. João. Mas há mais vantagens, nomeadamente o facto de
ser esta uma sessão muito frequentada por jovens (alunos de
teatro?), sendo estimulante perceber, numa casa bem composta, a forma
expectante como aguardam o início da peça e o seu entusiasmo (nem
sempre, nem sempre…) no final. Também já começam a aparecer
alguns turistas na sala, o que não deixa de ser visto com natural
curiosidade, uma vez que não dominam a língua e nem sempre as peças
são legendadas. Mas este nem terá sido um problema maior em “Vidas
Privadas”, a peça de Noël Coward, com encenação de Jorge Silva
Melo, em cena até ao próximo dia 1 de Dezembro. Uma constatação, aliás, que me leva a soltar a imaginação e a recuar no tempo.
O ano é o de 1931 e a sala é agora
outra, embora não muito distante daqui. Estou no Águia de Ouro e é
na tela e não no palco que se desenrola a comédia que tem por
título “Private Lives”, dirigida por Sidney Franklin. Embora a
sala esteja dotada das necessárias condições técnicas – Al
Jolson, em “The Jazz Singer”, estreara o sistema de som desta
sala em 1930, ao cantar, entre outros, “Give My Regards To
Broadway” e “The Sidewalks of New York” -, uma irritante troca
de bobines faz com que o filme comece a passar sem legendas. Numa
sala completamente esgotada, poucos percebem a língua inglesa e a
irritação não tarda em tornar-se audível. Por entre impropérios
vários, uma vintena de espectadores abandona a sala e exige a
devolução dos 2$50 pagos pelo bilhete. Todavia, quem fica – e são
quase todos – não dará por mal empregue a quase hora e meia de
duração do filme. Entre o natural e o caricatural, Norma Shearer,
Robert Montgomery, Reginald Denny e Una Merkel arrancam uma belíssima
interpretação, carregada ainda, na pose como na mímica, dos
estigmas do cinema mudo. E tanto assim é que, no final, junto as
minhas às palmas duma entusiástica plateia, grato pelos momentos
bem passados.
Regressando “à terra” e ao TNSJ,
“Vidas Íntimas” mantém os espectadores suspensos das divertidas
e inusitadas aventuras de quatro amantes à beira de um ataque de
nervos, expondo-os ao ridículo extremo a que uma entrega apaixonada
pode levar. Do amor ao ódio e do ódio ao amor em fracções de
segundos, a peça é toda ela uma cartilha das relações amorosas,
tragédia e comédia ao mesmo tempo. Quanto ao desempenho dos
actores, como já se percebeu, está à altura da peça. Os diálogos são importantes, naturalmente, mas a espontaneidade de Rúben Gomes, oferecendo-nos um
“dandy” divertido e extremamente convincente ou de Rita Durão, num
desempenho marcadamente caricatural, assumindo a personagem com total
entrega, quase os dispensam. Também Tiago Matias e Vânia Rodrigues se mostram excelentes
no seu papel de cônjuges traídos, muito contidos na pose, o ar de quem
está perdido, completamente ultrapassado pelos acontecimentos, mas
ainda assim teimando em mostrar que a situação está perfeitamente dominada.
Terrivelmente actual, apesar da inocência dos tempos ser hoje outra,
“Vidas Íntimas” revela-se um divertimento irresistível e pleno
de charme, oferecendo hora e meia de bom teatro. A não perder!
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